terça-feira, 13 de abril de 2010

A fé e seu poder


A fé e o seu poder  (Mc, 4,35-41)

Essa passagem do evangelho de Marcos, relata a força imperiosa da fé. Não pode haver medo quando o coração está animado pela Presença da fé. Não há tempestade de vento ou vigor de ondas que abalem os que teceram sua identidade na “sombra do Amado”, que firmaram sua vida nas sólidas bases de uma fé autêntica e partilhada. Um dos grandes mestres da sociologia da religião, Émile Durkheim, em sua obra As formas elementares da vida religiosa (1912), sublinha o poder que anima as representações e crenças dos fiéis, e que traduzem o que há de essencial na religião. Na conclusão de sua obra, assinala que “o fiel que comungou com o seu deus não é apenas homem que vê verdades novas que o incrédulo ignora: é homem que pode mais. Ele sente em si força maior para suportar as dificuldades da existência e para vencê-las”. Esse poder da fé também vem destacado pelos místicos, como João da Cruz. No Cântico Espiritual, a alma enamorada que sai em ardente busca de Deus não teme as feras, nem fortes e fronteiras, pois está embebida do fogo abrasador do Amado: “Não colherei as flores, nem temerei as feras, e passarei os fortes e fronteiras” (CB 3). O relato de Marcos pontua o poder de Jesus, que serena o vento e silencia o mar (Mc 4,39). Os discípulos, porém, não são capazes de acolher com vitalidade essa fé: são movidos pelo temor e insegurança. Vivem o clima de vulnerabilidade e intransparência que marca o ritmo do tempo histórico. Em toda descrição evangélica, estamos diante de discípulos que revelam sua fragilidade e fraqueza na fé (Mc 4,40; Mt 8,26; 14,31; 16,8). Estão ainda distantes do alcance verdadeiro do plano transformador de Jesus. Eles escandalizam-se diante de sua causa (Mt 26,31), não conseguem permanecer vigilantes (Mt 26,40) e, nos momentos difíceis de sua paixão, a incompreensão reverte em fuga, negação e traição (Mt 26,69-75). Temos em Pedro um exemplo paradigmático disso: em pouco espaço de tempo vem apontado como “alicerce da Igreja” (Mt 16,18) e “satanás” (Mt,16,23). Quando ele deposita sua confiança em si mesmo é pedra de tropeço, não sendo capaz de compreender o projeto de Jesus. Quando nele fala a força e a graça do Senhor, transforma-se em “rocha cósmica, nas mãos de Deus” (J.Ratzinger). É a vinda do Espírito que exorciza o medo e transforma os discípulos em corajosos testemunhos da Palavra e guardiões do precioso sonho de Jesus (Jo 20,19-22). Vale sublinhar a imagem presente no relato de Marcos, que fala da “outra margem” (Mc 4,35). Passar para a “outra margem” é viver uma experência de fé autêntica, capaz de silenciar o mar. Em sua convocação de serviço ao Reino de Deus, Jesus sinaliza aos seus discípulos a necessária disponibilidade a um serviço de afirmação de Vida. Sua convocação é radical, mas não no sentido de vinculação a leis e normas religiosas rigorosas e excludentes. É um chamado que envolve o exercício de partilha de uma paixão por Deus e de serviço ao seu Reino. Trata-se de um projeto que envolve: êxodo, compromisso e proximidade. Aquele que se acomoda ou se instala, deixa de ser seguidor de Jesus. O seguimento envolve saída de si (êxodo), disponibilidade de mudança e solidariedade com os outros (compromisso). Mas também proximidade, ou seja, estar próximo de Jesus, permanecer com ele (Mc 3,14 e Jo 15,5) e beber de sua espiritualidade (Jo 6,34). Um olhar atento aos evangelhos nos faculta perceber que Jesus sempre está em movimento: o caminho é a sua morada (Mt,8,20). Essa atitude dinâmica de Jesus provoca uma tal mobilidade que desestabiliza a postura estática do sujeito. A dinâmica do seguimento de Jesus não significa somente “estar onde Jesus está”, mas trilhar os seus caminhos, em rotas que envolvem liberdade e criatividade. A decisão de seguir Jesus, de passar para “a outra margem”, não é nada simples, mas vem reconfortada pelo sentimento de sua presença e gratuidade. Seguir Jesus é assemelhar-se a ele numa pratica de “fraternura”: “Se alguém quer servir-me, siga-me e onde estou eu, aí também estará o meu servo” (Jo 12,26).

(Publicado em Adista Notizie, n. 67, 20 giugno 2009, p. 15)

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