terça-feira, 13 de abril de 2010

Karl Rahner e as religiões

KARL RAHNER E AS RELIGIÕES

 

Faustino Teixeira

PPCIR-UFJF

 

Resumo:

 

O teólogo Karl Rahner, um dos mais importantes e criativos teólogos da tradição católica no século XX, teve um papel fundamental no incentivo à abertura da igreja católico-romana às diversas tradições religiosas. Este artigo tem como objetivo traçar os passos fundamentais da reflexão de Rahner sobre o tema das religiões, com base nos diversos textos produzidos  por ele a respeito. Partindo de sua antropologia teológica, que sinaliza a compreensão do ser humano como evento da autocomunicação de Deus, o artigo visa abordar a questão de sua compreensão do lugar positivo assumido pelas religiões no plano salvífico de Deus e indicar os passos de sua reflexão sobre o tema do “cristianismo anônimo”. Ao final, busca-se fazer uma avaliação de sua perspectiva inclusivista.

 

Introdução

 

As importantes e decisivas mudanças ocorridas no panorama teológico católico contemporâneo trazem a presença e a marca de Karl Rahner, que completaria em março de 2004 o seu centenário de nascimento. Foi de fato o “arquiteto da nova teologia católica”, como bem sublinhou  Jurgen Moltmann. Dotado de impressionante erudição e forte rigor teórico, imprimiu a tônica da renovação em âmbitos nodais da teologia, o que pode ser vislumbrado  na riqueza de seus Escritos de Teologia e na sua monumental obra de síntese, voltada para uma apresentação orgânica e complexiva de sua concepção teológica: Curso fundamental da fé.[1]

A contribuição teológica de Rahner incidiu também no campo da relação do cristianismo com as outras tradições religiosas. Exerceu um papel pioneiro na reflexão da teologia católica sobre o valor das outras tradições religiosas no desígnio salvífico de Deus, rompendo com a visão predominantemente pessimista  em curso. Foi inovadora sua percepção da função salvífica positiva das outras religiões, como dado irrenunciável e irreversível, envolvendo sua própria institucionalidade. Para Rahner, uma tal convicção, antes de ser mera expressão de uma mentalidade liberal, traduz um “elemento da verdade cristã”.[2]  Sua visão otimista sobre o tema deixou rastros decisivos no Concílio Vaticano II (1962-1965). 

 

Este artigo tem como objetivo traçar os passos fundamentais da reflexão de Rahner sobre o tema das religiões, com base nos diversos textos produzidos  por ele a respeito.[3] Há que sublinhar como ponto de partida  a complexidade de seu pensamento e as nuances peculiares que envolvem a sua reflexão a propósito das religiões.  O importante é reconhecer que os passos por ele desenvolvidos  neste delicado território devem ser compreendidos e situados no contexto mais amplo de suas grandes intuições teológicas, de modo particular em sua antropologia teológica.[4] Daí a necessidade  de uma breve incursão neste campo, antes de iniciar a reflexão sobre o tema em específico.

 

1.     O ser humano e a autocomunicação de Deus

 

A abordagem de Rahner sobre as religiões  encontra ancoradouro em sua reflexão antropológica. Como sublinhou Dupuis, “a teoria de Rahner está baseada na sua antropologia teológica, isto é, numa análise filosófico-teológica da humanidade na condição histórica concreta em que foi criada por Deus e destinada à união com ele”.[5] Para Rahner, o ser humano não pode ser compreendido apenas em âmbito da atividade categorial, ou seja, de sua consciência explícita e objetiva. Subjacente a tal atividade, e permeando toda a dinâmica existencial do ser humano, atua igualmente uma experiência transcendental. Trata-se de um domínio subjetivo bem mais complexo e de difícil tematização. A experiência transcendental vem identificada por Rahner como a experiência da transcendência: “chamamos de experiência transcendental a consciência  subjetiva, atemática, necessária e insuprimível do sujeito que conhece, que se faz presente conjuntamente a todo ato de conhecimento, e o seu caráter ilimitado de abertura para a amplidão sem fim de toda realidade possível”.[6] A experiência transcendental é uma experiência de abertura radical, expressão do desejo infinito de transcendência da ordem particular; uma experiência que anima a partir de dentro toda atividade categorial exercida pelo sujeito.

 

Esta experiência transcendental presente em toda criatura humana reflete a presença de um “mistério santo” que dinamiza a realidade do sujeito  em sua busca infinita. A presença real deste mistério não se traduz,  necessariamente, em conhecimento explícito. Rahner admite a realidade de um conhecimento “anônimo e atemático de Deus”, mesmo de um conhecimento irreligioso, que habita a dimensão existencial humana.[7] Não há nada de mais evidente para Rahner, ainda que incompreensível, do que este mistério. Trata-se de um mistério que é “horizonte infinitamente longinquo”, mas também “proximidade acolhedora”.[8] Não é algo que advém ao sujeito, mas alguém que está dado e lhe é familiar, habitando sua dimensão de profundidade. Antes mesmo que o ser humano se disponha a buscar o mistério de Deus, é este mesmo mistério que se manifesta como um dom gratuito.[9]  

 

De acordo com a visão de Rahner, no núcleo mais íntimo da compreensão cristã da existência está a dinâmica da autocomunicação livre e misericordiosa de Deus. Com a adoção deste termo, Rahner quer indicar que “Deus se torna ele mesmo em sua realidade mais própria como que um constitutivo interno do homem”.[10] Mediante uma tal autocomunicação “ontológica”, Deus se avizinha do ser humano, sem deixar de ser o mistério absoluto e a realidade infinita. Assim como o ser humano, como evento de tal autocomunicação, não se vê abafado em sua qualidade de ser-finito e distinto de Deus.[11] Esta autocomunicação de Deus é para Rahner “absolutamente graciosa” e “indevida” ao existente finito, uma expressão do “milagre indevido do livre amor de Deus que faz o próprio Deus ser o princípio interno e ´objeto´ da realização da existência humana”.[12] Sublinha igualmente que o fato de tal autocomunicação ser sobrenatural e indevida não significa que seja extrínseca ou acidental ao sujeito. Rahner rebate com vigor toda e qualquer concepção que expresse um extrinsecismo da graça. A graça é sobrenatural porque indevida ao sujeito, mas isto não significa que seja uma realidade a ele extrínseca: é um existencial, ainda que de ordem sobrenatural. Para Rahner, “na ordem concreta, a transcendência do homem é  querida de antemão como o espaço da autocomunicação de Deus, somente na qual esta transcendência encontra sua realização absoluta e consumada”.[13]    

 

A autocomunicação de Deus como oferta é, segundo Rahner, um “existencial sobrenatural” de todos. É sobrenatural porque indevido e gratuito, não dependendo da natureza, e existencial por constituir um elemento permanente de todo ser humano, precedendo toda decisão ou atividade exercida pelo sujeito. Trata-se de uma “atmosfera existencial de todos”, que expressa a universalidade da graça como oferecimento. Não deixa de ser gratuito por ser universal, reflete simplesmente o gesto amoroso do abraço que vincula Deus ao substrato mais íntimo e originário do ser humano.[14] O ser espiritual já de partida é situado nesta atmosfera da oferta salvífica. Isto não significa que o amor seja para todos uma “fatalidade ontológica” ou uma “inevitabilidade criatural”, mas é fruto de uma liberdade e de uma doação a Deus”.[15] Deus é amor que se oferece a uma liberdade humana, e homens e mulheres poder exercer essa liberdade como recusa deste amor. E a história tem sido decididamente marcada por esta recusa.

 

2.     A salvação e a revelação na história

 

Para poder captar em profundidade a posição de Rahner sobre a dimensão positivamente salvífica das religiões, faz-se necessário uma alusão à sua reflexão sobre a densidade histórica que envolve tanto o conceito de salvação como o de revelação. Este teólogo teve um papel fundamental na elaboração de uma compreensão unitária da história, rompendo com a visão até então vigente que estabelecia uma justaposição entre história profana e história salvífica.[16] Buscando esclarecer o genuíno conceito teológico de salvação, Rahner indica que ela não pode ser identificada como uma situação futura que se precipita de forma inesperada sobre os seres humanos, como uma realidade vinda de fora, mas refere-se “à definitividade da verdadeira autocompreeensão e da verdadeira auto-realização da pessoa em liberdade diante de Deus, mediante o seu próprio ser autêntico, tal como se lhe manifesta e se lhe oferece na escolha da transcendência interpretada livremente”.[17]

 

Conforme Rahner, a história da salvação e a história da humanidade são coexistentes. A dinâmica da salvação está intimamente vinculada à história do ser humano e sua inserção no tempo, daí ser equivocado falar em história profana, pois isto equivaleria a desvencilhá-la da presença permanente do evento da autocomunicação de Deus. A história da salvação, ou da recusa da salvação ocorre “cada vez que o ser humano dotado de liberdade aceita ou protesta a sua existência presente, e justamente porque nela encontra-se inserida permanentemente, no mais íntimo de suas fibras, o componente existencial sobrenatural”.[18] A história da salvação não acontece unicamente na dinâmica de sua explicitação religiosa, mediante o acontecimento da palavra, do culto e das instituições religiosas, mas realiza-se “onde quer que a história humana seja vivida e sofrida na liberdade”.[19]

 

Assim como a salvação, também a revelação de Deus encontra-se para Rahner presente e ativa na história da humanidade, incluindo a história das religiões. Ele enfatiza a presença de uma história universal da revelação, distinta da história cristã especial da revelação, expressa no Antigo e Novo Testamento. Rahner questiona com firmeza a intenção presente entre os cristãos de limitar o evento real da salvação ao que dela encontra-se explícito nas escrituras cristãs, o que contraria o postulado essencial da vontade salvífica universal de Deus. Uma vez considerada e aceita a presença da história da salvação em toda parte, há que reconhecer igualmente a presença de uma revelação sobrenatural de Deus igualmente ativa nos diversos espaços onde se realiza a história da humanidade.[20] Esta conclusão de Rahner terá implicações essenciais na sua reflexão sobre o tema da função positiva das religiões  no âmbito da salvação, como se verá mais adiante. O reconhecimento de uma autêntica história da revelação na história da humanidade não dispensa para o autor a realidade de uma história “explícita e oficial” da salvação e da revelação presente em seu âmbito, o que garante para ele a peculiaridade e a singularidade da visada cristã. É nesta história especial da revelação que se dá o acolhimento de forma reflexa e objetivada a autocomunicação de Deus. Para Rahner, à luz desta história explícita e oficial, Jesus Cristo aparece como “a mais sublime, absoluta e irrevogável autocomunicação de Deus ao homem”, como o “seu vértice escatologicamente vitorioso”, e o cristianismo e a igreja como portadores da memória desta auto-comunicação divina.[21]  

 

3.     A Vontade Salvífica Universal de Deus

 

Um dos traços mais característicos da reflexão teológica de Rahner é sua profunda sintonia com a perspectiva de um otimismo salvífico que funda sua razão de ser no livre mistério da doação do Deus sempre maior. Ele insiste com firmeza na universalidade da graça como oferecimento, que traz no seu íntimo o mistério do amor de Deus que, de antemão, “quer que todos  sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4). Rahner reconhece que não foi fácil a trajetória para vencer o pessimismo salvífico que marcou a teologia pós-tridentina, sob o influxo de Agostinho: “este pessimismo salvífico agostiniano foi demolido e lentamente transformado na consciência teorética e existencial da igreja mediante um processo muito fatigoso”.[22] A teologia pós-tridentina tendia a identificar o caráter explícito da fé com fé sobrenatural, daí sua grande dificuldade em aceitar a salvação daqueles que não se encontravam explicitamente ligados ao cristianismo. O que Rahner busca fazer é reacender  na consciência eclesial  uma dinâmica já presente na tradição cristã desde a sensibilidade neo-testamentária.[23]

 

A lógica pessimista que permeou a vida eclesial no período pós-tridentino não pode ser definida como vinculante para a doutrina cristã. Como bem assinalou Rahner, o magistério eclesiástico  optou  pela via do meio: reagindo tanto à doutrina da apocatástasi (restauração universal)  como à doutrina que nega o êxito concreto da história para cada indivíduo. O que se afirma é a esperança no envolvimento amoroso de todos pelo abraço reconciliador do Deus da vida.[24] O que existe em concreto, sinaliza Rahner, é uma eficaz e universal vontade salvífica de Deus, que se concretiza na dinâmica de comunicação, a modo de oferta, da graça sobrenatural, e que se torna condição de possibilidade  de significativos  e verdadeiros atos salvíficos.[25] O Concilio Vaticano II assumirá este otimismo salvífico universal, reconhecendo a presença desta oferta universal da graça à liberdade e indicando  a plausibilidade  de caminhos misteriosos para a dinâmica salvífica de Deus. A assunção de um tal otimismo salvífico pelo concílio foi, para Rahner, um de seus resultados mais notáveis e duradouros.[26]  Na lógica da reflexão de Rahner, a experiência originária de Deus acontece não somente no momento da adesão explícita ao cristianismo, mas pode se dar de maneira misteriosa tanto nas formas religiosas diversas como também nas experiências não religiosas. A questão da positividade salvífica das outras religiões  será desenvolvida em seguida. No momento, há que registrar sobretudo a atenção e cuidado dedicados por Rahner ao reconhecimento da densidade soteriológica  que pode habitar a experiência não religiosa:

 

Também aquele que em sua consciência verbalmente objetivante não pensa explicitamente em Deus ou estima dever refutar um tal conceito como contraditório, tem sempre e inevitavelmente o que fazer com Deus na sua consciência profana. E o acolhe atematicamente como Deus no momento em que acolhe a si mesmo livremente  em sua própria transcendentalidade ilimitada.[27]

 

Esta visão de Rahner receberá acolhida positiva no Vaticano II, que igualmente admitirá a possibilidade  salvífica  dos ateus, que em razão de uma vida reta e em conformidade com a sua consciência moral, podem partilhar do mistério que “opera de modo invisível” no coração de todos os homens e mulheres de “boa vontade” (GS 22).[28]

 

4.     As religiões  no desígnio salvífico de Deus

 

Já nos seus primeiros trabalhos sobre o tema do cristianismo e as religiões, Karl Rahner sublinhara a questão desafiante do pluralismo religioso.  Tentou mostrar na ocasião como a tomada de consciência deste pluralismo  constitui condição essencial para a afirmação de um “catolicismo aberto” e sintonizado com os novos tempos. Assim como o Ocidente não  podia se compreender como uma realidade fechada em si mesma, o mesmo valeria para o cristianismo católico, convocado a uma nova perspectiva de inserção numa sociedade plural, marcada pela estreita vizinhança com outras tradições religiosas. O desafio colocado estava em captar o pluralismo religioso não apenas enquanto dado de fato, mas como uma realidade significativa a ser levada em séria consideração e articulada na vasta e complexiva concepção cristã da existência.[29]

 

Rahner mostra como este desafio do pluralismo religioso provoca perplexidade entre os cristãos. Por um longo período de tempo os cristãos viveram sob uma perspectiva teológica e pastoral marcada pela clara visão do caráter absoluto do cristianismo. Trata-se de uma concepção que moldou suas consciências  e firmou um posicionamento duradouro: “a firme convicção de que o cristianismo representa a única religião fundada por Deus mesmo por obra de Cristo, a religião absoluta, predestinada a ser professada por todos os homens, o caminho de salvação por excelência  que o querer salvífico de Deus traçou para todos, tornando-o, por princípio,  obrigatório ”.[30] Ao lado desta consciência surge outro elemento, advindo da mesma fé católica, que acaba aumentando a perplexidade dos cristãos e exigindo uma nova reflexão e postura: a consciência da presença de uma verdadeira e eficaz vontade salvífica universal.[31] O objetivo de Rahner, em seus trabalhos sobre o tema, é justamente buscar uma resposta teologicamente plausível  sobre o lugar das religiões no plano da salvação, que possa haurir sua razão de ser do próprio cristianismo e de seus princípios fundamentais.

 

A reflexão teológica de Rahner sobre o tema das religiões distingue-se  da perspectiva que sinalizava no período uma tentativa de renovação, marcada pela tendência do que se convencionou chamar teologia do acabamento ou da realização.[32] Na linha desta tendência, os valores positivos das religiões não-cristãs são explicitamente reconhecidos, mas destinados a encontrar o seu “acabamento” (remate) no cristianismo. As diversas religiões da humanidade vêm identificadas como “religiões naturais”, expressões da aspiração humana e universal à união com o divino, que encontram seu complemento em Jesus Cristo e no cristianismo. Trata-se de uma posição inclusivista. Atribui-se um valor positivo às religiões e o seu reconhecimento como mediações salvíficas para seus membros, mas não enquanto mediações autônomas, pelo fato desta salvação sempre implicar a salvação de Jesus Cristo por meio de seu Espírito.

 

A perspectiva apontada por Rahner insere-se na lógica do inclusivismo, mas distingue-se da posição tradicional ligada à teologia do acabamento. As religiões deixam de ser vistas como simples expressões “naturais” de uma busca humana, e passam a ser reconhecidas em sua dimensão sobrenatural, definida pela operante presença do mistério de Jesus Cristo em seu interior. Rahner enfatiza a presença de um “componente existencial sobrenatural” nas diversas religiões, o que impossibilita considerá-las simplesmente como fruto da especulação humana, da depração ou vontade autônoma de criação.

 

Trata-se de algo inconveniente considerar as religiões não cristãs como um puro e simples aglomerado de metafísica teística natural, de interpretações humanamente distorcidas e de institucionalizações  adulteradas de uma ´religião natural`. As religiões concretas devem conter em si mesmas componentes sobrenaturais e animados pela graça (...)[33]

 

As religiões encontram-se, para Rahner, envolvidas pela presença de Deus e situadas positivamente em relação ao seu mistério de salvação. Esta positividade não se restringe ao fiel singular, em sua situação privada, mas abraça igualmente as objetivações da religião. Para Rahner, o fiel religioso não pode, com razão, ser destacado de sua experiência religiosa efetiva, pois é sempre homo religiosus em sua religião vivida. E não podendo ser destacado de sua religião, os mesmos traços da graça divina que o envolvem desde o nascimento, devem atuar na consistência objetiva de sua religião concreta.[34]

 

Mesmo considerando as limitações presentes nas outras tradições religiosas, Rahner sinaliza sua dificuldade em aceitar a tese de que tais tradições constituem apenas caminhos provisórios de salvação. Indica que os caminhos que levam a Deus são amplos e múltiplos. Todos eles traduzem uma viagem misteriosa em direção a uma meta comum. Para Rahner, “cada caminho trilhado pelo ser humano em real fidelidade à sua consciência é um caminho que conduz ao Deus infinito”.[35] Ainda que os viajantes encontrem-se em momentos diferentes da caminhada, é o mesmo horizonte que os aguarda ao final. 

 

Nenhum outro teólogo católico tinha até então avançado em tal consideração sobre a função salvífica das religiões não cristãs. Rahner foi um pioneiro incontestável neste campo, instaurando os fundamentos teológicos  essenciais para a nova e significativa abertura às religiões presente no Vaticano II[36]. Sobre esta questão há, porém, pontos dissonantes entre os estudiosos e intérpretes de Rahner. Bernard Sesboue adverte que na abordagem desta questão Rahner foi extremamente cuidadoso. Ele reconhece a presença de uma revelação sobrenatural nas religiões, mas evita considerá-las  sem mais como caminhos de salvação, em razão de seus limites precisos, de seu caráter inacabado e parcialidade de sua tematização do mistério de Deus.[37] De fato, Rahner foi sempre muito cuidadoso em suas reflexões teológicas, e em particular nas questões mais nodais, como esta da relação do cristianismo com as outras religiões. Mas talvez a conclusão tirada por Sesboue deva ser melhor matizada. É verdade que Rahner não desconheceu a presença efetiva de ambiguidades e limitações nas religiões[38], mas disto não se pode concluir que ele tenha excluído a possibilidade  de considerá-las caminhos de salvação. A leitura cuidadosa dos textos elaborados pelo autor a respeito não deixa dúvidas. Rahner explicita em vários momentos a presença nas religiões de “traços sobrenaturais da graça”, de sua autêntica legitimidade e de sua positividade salvífica. O que Rahner exclui é a plausibilidade de uma interpretação que considere as religiões não cristãs como caminhos autônomos de salvação, pois para ele toda dinâmica salvífica relaciona-se ao evento de Jesus Cristo.

 

5.     Em favor de um cristianismo anônimo

 

A reflexão de Rahner sobre o cristianismo anônimo é um desdobramento natural de sua perspectiva inclusivista e cristocêntrica. Assim como foi sublinhado no tópico anterior, a dinâmica salvífica envolve não apenas aquele que faz a profissão explícita da fé cristã, mas pode acontecer de forma misteriosa mesmo entre os adeptos de outras tradições religiosas ou  entre aqueles que se definem como ateus. Segundo Rahner, o decisivo para a salvação não é a sua consciência, pois em última instância é na  prática do amor ao próximo que ela se decide. Através desta prática de amor solidário abre-se ao ser humano a “possibilidade de sair de si mesmo com verdadeiro amor para amar a Deus”.[39] A identidade cristocêntrica de Rahner revela-se em sua hermenêutica da salvação, no momento em que realiza a interpretação da salvação que se realiza no mundo e cobre toda a história. Não pode haver para Rahner uma salvação deslocada da referência a Jesus Cristo.[40] Aqui entra sua visão de cristãos anônimos ou de cristianismo anônimo.[41] Trata-se para ele de uma “controvérsia teológica intra-católica”[42] , e neste âmbito interno exerceu um papel muito importante,  bloqueando o curso do exclusivismo clássico  presente na teologia católica que mantinha acesa a interpretação mais rígida do axioma  extra ecclesiam  nulla salus (fora da igreja não há salvação).

 

A categoria “cristãos anônimos” envolve, segundo Rahner, todos aqueles que tenham aceito livremente a oferta da autocomunicação de Deus, mediante a fé, a esperança e a caridade, mesmo que do ponto de vista social (através do batismo e da pertença à igreja) e de sua consciência objetiva (através de uma fé explícita, nascida da escuta da mensagem cristã) não tenham tematicamente assumido o cristianismo.[43] Não é o fato de alguém se encontrar fora do perímetro de ação da igreja ou das igrejas cristãs, e de sua mensagem evangelizadora, que determina a dinâmica negativa de sua relação com o mistério salvífico, mas o exercício da fé, da esperança e da caridade, que se realiza sempre na atmosfera da graça de Jesus Cristo.[44]

 

Desde o início, a tese rahneriana dos “cristãos anônimos” provocou divisões apaixonadas entre teólogos e desconforto em certos ambientes eclesiásticos. Conhecidas são, por exemplo, as críticas  feitas por Hans Urs von Balthasar, para quem a mencionada  tese implica a escolha de um “caminho mais cômodo” para driblar o dever missionário.[45] O teólogo e cardeal Joseph Ratzinger apontou a influência  negativa desta teoria no pós-concílio que teria, segundo ele, ocasionado uma ênfase excessiva sobre os valores das religiões não-cristãs e, igualmente, enfraquecido a tensão missionária.[46]  Em formulação escrita em 1941, Henri de Lubac anunciava a os termos da dificuldade que estará posteriormente no centro da reação à teoria de Rahner: “Se um cristianismo implícito é suficiente para a salvação de quem não conhece outro, porque colocar-se em busca de um cristianismo explícito?”[47] A questão levantada por diversos autores à teoria de Rahner refere-se à diferença efetiva existente para o autor entre o cristão anônimo e o cristão explícito. Seria somente uma questão de consciência reflexa,  ausente no primeiro e presente no outro? Uma questão de mero “acesso formal à consciência  de ser aquilo que se era precedentemente sem o saber?”[48]

 

A dificuldade com a posição de Rahner vinha sobretudo do impacto exercido entre os leitores de suas primeiras reflexões sobre o tema, como no caso de seu artigo sobre o cristianismo e as religiões não cristãs, escrito em 1961. Dava-se para alguns a impressão de dúvida sobre a singularidade  e a novidade trazidas pelo cristianismo explícito. Rahner afirmava neste texto que “a pregação do Evangelho não investe uma criatura abandonada por Deus e por Cristo transformando-a num cristão; mas ao contrário investe um cristão anônimo, fazendo dele um homem que se torna agora consciente, também por via reflexa e objetiva, deste cristianismo pulsante no mais profundo de seu ser tocado pela graça, e que a professa também no plano social, ou seja na Igreja”.[49]  Outros artigos de Rahner sobre o tema não deixavam dúvida sobre sua específica posição. Para este autor, entre o cristianismo anônimo e o explícito vigora não somente um regime diferente de salvação, mas também uma modalidade distinta da mediação do mistério de Jesus Cristo. Segundo Rahner, o cristianismo anônimo é um cristianismo que não chegou ainda a alargar-se em toda a sua plena essência, nem mesmo a exaurir toda a sua potencialidade de expressão e experimentalidade histórica e social.[50] Em distintos momentos, Rahner mostra que o cristianismo anônimo, ainda que real e salvífico, não torna supérflua a pregação do cristianismo e a necessidade do cristianismo explícito.[51] A existência de possíveis ambiguidades sobre a diferença entre os dois cristianismos  ganha um derradeiro esclarecimento em seu livro Curso fundamental da fé, que traduz a expressão madura   de

sua obra. Rahner estabelece no livro a clara distinção entre o “cristianismo anônimo e implícito” e o “cristianismo pleno”.[52] Para Rahner,

 

o fato de a ação salvífica de Deus em princípio ser oferecida a todo homem e operar sua salvação – quando o homem a acolhe, obedecendo aos ditames da consciência moral -,  não exclui que o cristianismo pleno da autocomunicação  divina, aquele que chegou à sua realização  histórica plena, seja também cristianismo eclesial.[53]

 

6.     O inclusivismo rahneriano em questão

 

A reflexão de Rahner sobre o “cristianismo anônimo” foi objeto de uma crítica diversificada. Alguns autores, como Hans Urs von Balthasar, Henri de Lubac e Joseph Razinger questionam a tese tendo em vista o receio de que a mesma acabe tornando supérfluo o dinamismo missionário  e apagando a novidade radical trazida pelo cristianismo.  A crítica de Henri de Lubac é sugestiva como exemplificação desta primeira posição, já acenada anteriormente. Em trabalho publicado originalmente em 1967, este teólogo afirma que falar em “cristianismo anônimo” é cair em paralogismo, reduzindo o alcance novidadeiro da pregação apostólica, como se a mesma “nada mais fosse do que a divulgação daquilo que já existia desde sempre”. Para de Lubac, ao contrário, o cristianismo introduz na história uma “novidade  assombrosa”, e  a dinâmica de sua conversão uma real “ruptura, uma transposição radical, sinal eficaz da inserção no mistério de Cristo”.[54]

 

Para outros autores, com os quais este trabalho encontra-se mais alinhado, a teoria de Rahner não leva devidamente a sério a alteridade das outras tradições religiosas  em sua diferença irredutível e irrevogável. Hans Kung, em sua obra Ser cristão (1974), indica que uma semelhante posição traduz um “truque metódico” para obrigar os não-cristãos contra sua própria vontade e voto a tornarem-se membros passivos ou ativos da igreja romana.[55] Uma das mais pertinentes críticas ao conceito rahneriano, e ao que ele implica, foi apontada pelo teólogo dominicano, Christian Duquoc. Para este teólogo, o maior limite da teoria de Rahner está em desconsiderar o “direito à diferença”. Em razão de um acento decisivo na identidade cristã, acaba-se não levando a sério as religiões naquilo que elas têm de mais íntimo: “O que permanece de legítimo nestas religiões é somente aquilo que anuncia o cristianismo, ou seja, aquilo não se diferencia dele”.[56] Em obra mais recente, L´unique Christ,  Duquoc afina ainda mais sua visão crítica, levantando interrogações altamente pertinentes. O autor salienta neste livro que a interpretação de Rahner não é satisfatória, pois “não honra a singularidade ou a originalidade das diferentes tradições”. A assimetria entre o cristianismo e as demais religiões é, segundo Duquoc, levada a seu extremo:

 

Este procedimento  deixa de explicar (...) a extraordinária diversidade das tradições,  delas só permanece a capacidade  de abertura positiva  ao que  ignoram ou que talvez mesmo combatam.  Os fragmentos não são suficientemente respeitados  em sua identidade  pois sua significação positiva deve-se  à sua ligação ainda obscura a Cristo. A posição de K.Rahner (...) desconhece  a verdade  interna  a cada fragmento por precipitação  de integrá-lo  à sinfonia última.[57]

 

Nos últimos anos, a perspectiva inclusivista  vem cada vez mais colocada em questão. Um de seus maiores críticos tem sido o teólogo e filósofo da religião John Hick, para o qual o inclusivismo  representaria a “continuação, de forma mais branda, do antigo imperialismo teológico”, mantendo a superioridade do cristianismo sobre as demais religiões.[58]  Algumas propostas de mudança na perspectiva inclusivista, de forma a melhor responder ao desafio do pluralismo religioso, têm sido avançadas nos últimos anos por autores como E.Schillebeeckx, J.Dupuis, C.Geffré, Andrés Torres Queiruga, Gavin D´Costa, Joseph A. DiNoia, entre outros. Na busca de um novo modelo de interpretação são propostos novos horizontes. Fala-se em “inclusivismo aberto”, “inclusivismo  mutual”, “inclusivismo recíproco”, “pluralismo receptivo”, “pluralismo orgânico”, “pluralismo inclusivo” etc.  A questão não se revolve, porém, apenas com a mudança de nomenclatura. Faz-se necessária a afirmação de uma reflexão teológica que resguarde o valor essencial de um pluralismo de princípio e não apenas de fato, que desoculte o significado  positivo e irrevogável das diversas tradições religiosas no desígnio salvífico e misterioso de Deus. Permanece ainda em vigor no campo teológico muitos embaraços que dificultam esta acolhida do pluralismo. Não poderá haver mudança sem a transformação de pressupostos que continuam a frear a reflexão cristológica  e eclesiológica . Verifica-se ainda  a presença sutil ou velada, de um axioma que moldou toda a tradição cristã: “fora da igreja não há salvação”. Um axioma que constitui a expressão ideológica  da pretensão que tem movido a igreja católico-romana de ser a única religião verdadeira. Embora Rahner tenha de fato contribuído de forma decisiva  para o início desta transformação, sua reflexão permanece ainda marcada por um certo eclesiocentrismo.

 

Mesmo os teólogos inclusivistas  mais abertos têm dificuldade em acompanhar e acolher os desdobramentos  necessários para a real acolhida do pluralismo de princípio, uma dificuldade de superar certos bloqueios  que impedem reconhecer o valor e normatividade  da revelação de Deus presente fora do cristianismo. O teólogo Paul Tillich indicou que não poderá haver um autêntico diálogo inter-religioso  a não ser quando cada interlocutor for capaz de reconhecer “o valor da convicção religiosa do outro” e de que ela se funda “numa experiência de revelação”.[59] É perfeitamente possivel manter a sintonia entre a acolhida da alteridade e a manutenção de uma fidelidade específica. Cada religião tem seus critérios de verdade, e que devem ser respeitados. Mas há que se resguardar de um posicionamento  que  transforme uma verdade existencial e confessada, válida em âmbito particular como expressão de uma “seriedade existencial”, em verdade objetivada universalmente.[60]  O teólogo Wesley Ariarajah chama a atenção para um risco muito presente entre os cristãos: o de absolutizar o seu testemunho. O que tende, por exemplo a acontecer mesmo no testemunho sobre a centralidade de Jesus Cristo:

 

Se os cristãos cremos que o acontecimento  Cristo tem uma significação salvífica para toda  a humanidade, então o testemunho sobre ele deve apresentar-se  como uma confissão de fé. Não podemos usar esta confissão de fé como base para negar outras confissões de fé. Por mais verdadeira  que seja a nossa experiência,  por mais convencidos  que estejamos  de uma confissão de fé, temos que mantê-la como  confissão de fé e não como uma verdade em sentido absoluto.[61]   

 

Na busca de uma compreensão teológica capaz de avançar para além do inclusivismo,  mas respeitando profundamente a convicção religiosa de cada interlocutor do diálogo, o teólogo jesuíta Roger Haight apresenta uma proposta específica: “Os cristãos podem considerar Jesus como revelação normativa de Deus, convencidos ao mesmo tempo de que Deus também é revelado  normativamente alhures”.[62] Na visão de Haight, o inclusivismo  não constitui uma exigência neotestamentária, pois há pouca evidência  de que “Jesus tenha pregado a si próprio como o mediador constitutivo da salvação de Deus para todos os seres humanos”. A mensagem de Jesus é uma mensagem teocêntrica, que aponta para a salvação de Deus, o cristocentrismo virá depois com a mensagem do Novo Testamento.[63] Roger Haight sinaliza como positivo o argumento de Rahner em defesa da validade das demais tradições religiosas, mas adverte sobre a necessidade de um maior arrojo teológico na captação do caráter positivo do pluralismo religioso.  Ele  resiste à idéia  rahneriana de que “toda graça de Deus é gratia Christi”. Para Haight, trata-se de uma “especulação inconsistente e desnecessária, quando vista contra o pano de fundo da historicidade”.[64] O apontamento crítico de Haight é bem sugestivo: levanta  a necessidade de uma  mudança  na hermenêutica  da fé cristã,  indicando  novas e ricas possibilidades para a defesa de um pluralismo de princípio, sem o qual não pode acontecer um efetivo diálogo inter-religioso.  Para Haight, é a mesma universalidade do amor de Deus que exige a percepção de sua presença ativa nas outras mediações religiosas. E a presença salvífica de Deus pode manifestar-se de outras formas, além daquela definida como fundamental no cristianismo, como por exemplo num evento, num livro, num ensinamento e numa práxis.[65] Daí ser pertinente e legítimo falar em diversos e diferentes caminhos de manifestação da ação salvífica de Deus na história; caminhos que contém normas de aferição de verdade diferentes mas também significativas e relevantes. Nenhuma religião pode pretender-se absolutamente verdadeira, de forma a excluir a presença da verdade em outros espaços religiosos. Na visão de Haight, para que se dê o passo necessário para além do exclusivismo e do inclusivismo  é necessário manter aberto o senso do mistério transcendente de Deus:

 

Quando as religiões mundiais se deixam perpassar  pela transcendência  e, por sua vez,  fomentam nos seres humanos a abertura  a autotranscendência,  refletem e medeiam  o Deus imanente como Espírito  que os cristãos conhecem  por intermédio  de Jesus. Mas esse Deus também é transcendente. O conhecimento de tal Deus se dá em um encontro com o mistério.  Nem Jesus nem o cristianismo medeiam uma posse plena de Deus. Sem um senso de mistério transcendente  de Deus, sem o saudavel  senso agnóstico daquilo que de fato não conhecemos  acerca de Deus, não se esperará conhecer mais a respeito dele a partir do que é transmitido a nós, seres humanos, por meio de outras revelações e outras religiões.[66]   

 

Concluindo, todas estas considerações em torno do inclusivismo  em geral, e de sua incidência na reflexão de Karl Rahner, constituem um incentivo para o aprofundamento da questão teológica e para uma melhor e mais autêntica aproximação das diversas tradições religiosas em sua experiência singular do mistério transcendente. Não são questões resolvidas, mas abertas à interrogação crítica, ao questionamento e aperfeiçoamento permanente. O mais decisivo é saber honrar a dignidade da alteridade, sem romper a fidelidade  à vinculação particular. Não há como desconhecer o papel pioneiro e inovador de Karl Rahner na abertura deste caminho dialogal, sua ousadia e coragem em apontar de forma novidadeira a função positiva das religiões no plano salvífico universal de Deus, enfrentando duras oposições dos bastiões do tradicional exclusivismo católico-romano. Neste momento atual de afirmação e crescimento do pluralismo religioso, de reinvindicação crescente em favor da liberdade religiosa , de defesa do direito ao exercício das convicções diversificadas, alguns aspectos específicos da reflexão de Rahner aparecem limitados, exigindo  o maior empenho da reflexão teológica cristã. Mas não há como desconhecer o mérito de sua reflexão e sua contribuição ao processo irreversível de abertura ecumênica e inter-religiosa.

 

.......

 

 

 

Palavras Chave:

 

Cristianismo, Religiões, Salvação, Teologia, Pluralismo



[1] K.RAHNER, Schiriften  zur Theologie, Einsiedeln: Benziger Verlag, 1961-1984. Id. Grundkurs des Glaubens. Einsfuhrung in den Begrif des Christentums, Freiburg im Breisgau: Verlag Herder, 1976. Tanto os Escritos de Teologia como o Curso Fundamental da Fé foram traduzidos para o italiano, sendo que este último também traduzido para o português. O presente artigo foi desenvolvido com base em tais traduções.

[2] K.RAHNER, “Il significato permanente del Concilio Vaticano II”, In  Sollecitudine per la Chiesa, Roma: Paoline, 1982, p. 375 (Nuovi Saggi VIII).

[3] O tema vem tratado por Rahner em vários ensaios presentes em seus Escritos de Teologia, iniciados com a célebre reflexão sobre o cristianismo e as religiões não cristãs, fruto de uma conferência realizada em abril de 1961: K.RAHNER, “Cristianesimo e religioni non cristiane”,   In  Saggi di antropologia soprannaturali, Roma: Paoline, 1965, pp. 533-572. A reflexão do autor sobre o tema ganha igualmente uma boa síntese  em sua obra fundamental: Corso fondamentale sulla fede, Roma: Paoline, 1978 (tradução brasileira: Curso fundamental da fé, São Paulo: Paulinas, 1989).

[4] B.SESBOUÉ, “Karl Rahner et les ´chétiens anonymes`”, Études 361 / nº 5 (1984) 521-535, aqui p. 523.

[5] J.DUPUIS, Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso, São Paulo: Paulinas, 1999, p. 202.

[6]  K.RAHNER, Curso fundamental da fé, Op.cit., p. 33.

[7] Ibidem, p. 41-42 e 164.

[8] Ibidem, p. 163.

[9] B.SESBOUÉ, Art.cit., p. 526. Na mística  islâmica (sufi) encontramos uma similar perspectiva  na reflexão de Rûmî (sec.XIII), para o qual o amante nunca busca o Amado sem ser por ele antes buscado, ou em outros termos, é a agua que busca o sedento, antes que ele se diponha a bebê-la. Cf. Djalâl-od-Din RÛMÎ, Mathnawî. La quête de l´Absolu,  Paris: Rocher, 1990, p. 160 (Livro I 1740) e 801 (Livro III 4393).

[10] K.RAHNER, Curso fundamental da fé,  p. 145.

[11] Ibidem, p. 149. Id. “Problemi riguardanti  l´incomprensibilità di Dio secondo Tommaso d´Aquino”, In Teologia dall´esperienza  dello Spirito, Roma: Paoline, 1978, p. 384 (Nuovi Saggi VI).

[12] K.RAHNER, Curso fundamental da fé,  p. 153.

[13] Ibidem, p. 154.

[14] Ibidem, p. 158; Id. “La chiesa, le chiese e le religioni”, In: Nuovi saggi III. Roma: Paoline, 1969, p. 433.

[15] L.BOFF, A graça libertadora no mundo, Petrópolis: Vozes, 1976, p. 144.

[16] Há que reconhecer,  juntamente com Rahner, o fundamental papel exercido neste campo pela Nouvelle Theologie (sobretudo Henri de Lubac). Na base desta questão está  a delicada questão da relação entre natureza e graça, tema que concentrou a atenção da consciência cristã por longo tempo. Para maiores detalhes cf. F.TEIXEIRA, Comunidades eclesiais de base: bases teológicas, Petrópolis: Vozes, 1988, pp. 63-75.

[17] K.RAHNER, Curso fundamental da fé,  p. 55.

[18] K.RAHNER, “La chiesa, le chiese e le religioni”, Art.cit., p. 435-436.

[19] K.RAHNER, Curso fundamental da fé, p. 178; Id. “Corso fondamentale sulla fede”, In Sollecitudine per la chiesa, Roma: Paoline, 1982, p. 62 (Nuovi Saggi VIII). Esta visão foi-se afirmando claramente na reflexão teológica contemporânea e ganhou um lugar de destaque na teologia da libertação.  Segundo Congar, a salvação “não pode ser indiferente à obra dos homens, mediante  a qual estes se expressam e realizam a própria humanidade”: Y.CONGAR, Un popolo messianico, Brescia: Queriniana, 1976, p. 141 (e também p. 146 e 170). De forma análogo, sinaliza Schillebeeckx: “O mundo e a história dos homens, em que Deus quer realizar a salvação, são a base de toda realidade salvífica: é aí que primordialmente se realiza a salvação... ou se recusa e se realiza a não-salvação.  Neste sentido, vale ´extra mundum nulla salus´, fora do mundo dos homens não há salvação”: E. SCHILLEBEECKX, História humana revelação de Deus, São Paulo: Paulus, 1994, p. 29-30

[20] K.RAHNER, Curso fundamental da fé,  p. 178-179 e 182-183; Id. “Rivelazione”, In Sacramentum Mundi 7, Brescia: Morcelliana, 1977, p. 209.

[21] K.RAHNER, Curso fundamental da fé,  p. 525, 400-401; Id “La chiesa, le chiese e le religioni”, Art.cit., p. 437, 438-442; Id “Sulla pretesa del cristianesimo di possedere un valor assoluto” In Scienza e fede cristiana. Roma: Paoline, 1984, p. 245-246.

[22] K.RAHNER, “Il significato permanente del Concilio Vaticano II”, Art.cit., p. 377. Segundo Rahner, este pessimismo agostiniano teve efeitos duradouros, repercutindo inclusive num dos esquemas preparatórios do Vaticano II favoráveis à manutenção de um limbus parvulorum, destinado às crianças mortas sem batismo. Cf. K.RAHNER, Confessare la fede nel tempo dell´atesa,  Roma: Città Nuova, 1994, p. 107. Ver também a propósito: B.HARING, Fede storia morale, Roma: Borla, 1989, p. 55 e 58. Haring, que foi consultor da comissão preparatória do Vaticano II , sinaliza o seu desconforto com tal esquema preparatório  e reage com objeções bem precisas, com base na vontade salvífica universal de Deus.

[23] Rahner faz alusão à passagem de Atos 10,47, que reconhece a presença da graça mesmo antes do batismo, bem como as doutrinas de Ambrósio (sobre a possibilidade de salvação dos catecúmenos surpreendidos pela morte), do votum baptismi (presente na doutrina medieval e reafirmada em Trento, que admitia a justificação antes mesmo do sacramento do batismo) e a doutrina proclamada pelo Santo Ofício, em agosto de 1949, que reconhece a justificação por força de um votum ecclesiae  implícito. Cf. K.RAHNER, “Cristianesimo anonimo e compito missionario della chiesa”, In Nuovi Saggi IV, Roma: Paoline, 1973, p. 626-627 e n. 12;

[24] K.RAHNER, Volontà salvifica di Dio, universale”, In Sacramentum Mundi 8, Brescia: Morcelliana, 1977, p. 692-702, aqui p. 696-697.

[25] K.RAHNER, “Fede anonima e fede esplicita”,  In Teologia dall´esperienza  dello Spirito”,  Op.cit., p. 97. Esta vontade salvífica  é universal , enquanto “prometida e ofertada a todo homem, indiferentemente do tempo e espaço que ocupe”, embora dependa da livre adesão do sujeito. Ela “implica a absoluta autocomunicação de Deus em absoluta proximidade (...)”: Id. Curso fundamental da fé,  p. 181

[26] K.RAHNER, “Osservazioni sul problema del ´cristiano anonimo´”, In Nuovi Saggi V, Roma: Paoline, 1975, p. 683. Na visão de Rahner, a igreja adota  no Vaticano II o pressuposto de que a graça de Deus não vem apenas ofertada à liberdade,  mas um dom que se impõe universalmente.  Com o concílio  este posicionamento torna-se “claro e irreversível”:  K.RAHNER, “Il significato permanente del Concilio Vaticano II”, In Op.cit., p. 379.

[27] K.RAHNER, “Fede anonima e fede esplicita”, Art.cit., p. 96.

[28] K.RAHNER, A doutrina do Vaticano II sobre o ateísmo, Concilium  (Br) nº 3 (1967) 8-24; Id. “Fede anonima e fede esplicita”, Art.cit., p. 92; Id. “L´unico Gesù Cristo e l´universalità della salvezza”,  In Teologia dall´esperienza  dello Spirito”,  Op.cit., p. 312-313.

[29] K.RAHNER, “Cristianesimo e religioni non cristiane”, In Art.cit., p. 533-535; Id.  “La chiesa, le chiese e le religioni”, Art.cit., p. 427.

[30] K.RAHNER, “La chiesa, le chiese e le religioni”, Art.cit., p. 428.

[31] Ibidem, p. 429.

[32] Para esta questão cf. F.TEIXEIRA, Teologia das religiões,  São Paulo: Paulinas, 1985, p. 44 s; J.DUPUIS, Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso,  p. 188s.

[33] K.RAHNER, “Cristianesimo e religioni non cristiane”, In Art.cit., p. 562-563; Id. “La chiesa, le chiese e le religioni”, Art.cit., p. 447-448.

[34] K.RAHNER, “Cristianismo e religione non cristiane”, Art.cit.,  p. 562.

[35] K.RAHNER, “La chiesa, le chiese e le religioni”, Art.cit., p. 451. Esta mesma idéia de viagem será retomada bem mais tarde por João Paulo II na jornada interreligiosa de oração em favor da paz, realizada em Assis (Itália) no ano de 1986: “uma viagem fraterna na qual nos acompanhamos uns aos outros rumo à meta transcendente que ele (Deus) estabelece para nós”: PONTIFICIO CONSIGLIO PER IL DIALOGO INTERRELIGIOSO, Il dialogo interreligioso nel magistero pontificio, Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 1994, p. 416.

[36] G.CANOBBIO, “L´emergere dell´interesse per le religioni nella teologia cattolica del novecento”,  In: M.CROCIATA (Ed.), Teologia delle religioni. Bilanci e prospettive,  Milano: Paoline, 2001, p. 39; P.KNITTER, Una terra molte religioni,  Assisi: Cittadella Editrice, 1998, p. 23.

[37] B.SESBOUÉ, “Karl Rahner et les ´chétiens anonymes`”, Art.cit., p. 526 e n. 12. Esta visão será bem recorrente na reflexão teológica mais sintonizada com a teologia do acabamento  ou mesmo de outras mais abertas,  e presente nos manuais de teologia dogmática.  Vigora em geral a idéia de que o conteúdo da salvação está presente entre os não cristãos, mas sua expressão é inadequada por carecer da luz explícita de Jesus Cristo: cf. M.F.MIRANDA, Libertados para a práxis da justiça, São Paulo: Loyola, 1980, p. 164.

[38] Rahner reconhece que as religiões não assumem automaticamente  a condição de “límpidas manifestações da auto-comunicação transcendente  de Deus”. Nelas manifesta-se também a ambiguidade que marca a dinâmica humana do pecado e da culpa, que deformam o sentimento e o valor religioso. Não obstante tais limitações, nelas sempre pulsa a graça de Deus e o horizonte de uma realização positiva: cf. K.RAHNER, “La chiesa, le chiese e le religioni”, Art.cit., p. 448. Em realidade, não há religião, incluindo aí o cristianismo, que esteja livre de ambiguidades. Como assinala Roger Haight, “as religiões podem verdadeiramente  mediar a presença de Deus, ainda que não o representem com perfeição. Toda religião concreta é historicamente limitada, ambígua e possivelmente errônea em qualquer prática ou crença. Mesmo nessa condição, ainda pode ser um instrumento da graça salvífica de Deus”: R.HAIGHT, Jesus símbolo de Deus, São Paulo: Paulinas, 2003, p. 478.

[39] K.RAHNER, Amar a Jesús amar al hermano,  Santander: Sal Terrae, 1983, p. 96.

[40] K.RAHNER, “Cristianesimo e religione non cristiane”, Art.cit., p. 566.

[41] O teólogo Clodovis Boff trabalhou com maestria esta questão em sua tese doutoral.  Num dos capítulos  mais desafiantes, buscou mostrar como a salvação existe fora e independentemente  de sua consciência. Com base na reflexão rahneriana, sublinhou que todos os “acontecimentos salvíficos” reportados pelas escrituras cristãs e o regime sacramental da igreja são da ordem da manifestação da salvação, mas não da ordem de sua constituição.  Reconhece, com Rahner, a possibilidade de “admitir a salvação antes e fora da revelação;  antes e fora do Jesus histórico, não porém independentemente  do Kyrios da Glória”. Justifica, assim, a substância dogmática da tese rahneriana dos cristãos anônimos (ainda que atento para a insuficiência de seu título  e o risco de seu “usus ideologicus”: C.BOFF, Teologia e prática. Teologia do político e suas mediações, Petrópolis: Vozes, 1978, p. 185 e 186.

[42] K.RAHNER, “Osservazioni sul problema del ´cristiano anonimo`”, In: Nuovi saggi V, Roma: Paoline, 1975, p. 677.

[43] Ibidem, p. 681.

[44] Sesboue destaca a propósito que, para Rahner, o fato de alguém ser um não cristão não determina  de antemão  que seja um cristão anônimo. Faz-se necessária a experiência de uma “conversão autêntica”, ou seja,  a superação do egocentrismo e a decisão livre de um dom de si no amor: B.SESBOUE, “Karl Rahner et les ´chrétiens anonymes`”, Art. cit., p. 528 e n. 13.

[45] H.U.VON BALTHASAR, Cordula ovverosia il caso serio,  5 ed. Brescia: Queriniana, 1993, p. 96; J.RATZINGER, O novo povo de Deus, São Paulo: Paulinas, 1974, p. 324.

[46] J.RATZINGER, Rapporto sulla fede,  Roma: Paoline, 1985, pp. 211-212.

[47] H.DE LUBAC, Catholicisme. Les aspects sociaux du dogma,  Paris: Cerf, 1947, p. 183 (a primeira edição saiu publicada em 1941). Na mesma obra, reitera Lubac: “Na medida em que se abre a porta da salvação àqueles que impropriadamente são denominados ´infiéis`, não fica diminuída,  até chegar a dissipar-se, a necessidade de sua pertença  à Igreja visível?”: Ibidem, p. 182. 

[48] J.DUPUIS, Gesù Cristo incontro alle religioni,  2 ed, Assisi: Cittadella Editrice, 1991, p. 178-179.

[49] K.RAHNER, “Cristianesimo e religione non cristiane”, Art.cit., p. 566-567.

[50] K.RAHNER, “Cristianismo anonimo e compito missionario della chiesa”, Art.cit., p. 623.

[51] Ibidem, p. 637. Mas acrescenta que a teologia das missões necessita ser delineada sob “novos princípios”: Ibidem, p. 638.  Ver também: K.RAHNER, “Cristianesimo e religione non cristiane”, Art.cit., p. 567; Id. “I cristiani anonimi”, In: Nuovi Saggi I, Roma: Paoline, 1968, p. 770. Neste último artigo, Rahner sublinha que uma interpretação de sua tese que leve à conclusão do caráter supérfluo da missão e da evangelização  traduziria uma pobreza na leitura da reflexão proposta.

[52] K.RAHNER, Curso fundamental da fé, Op.cit., p. 360-361. Segundo Jacques Dupuis, neste momento Rahner define de forma precisa e com clareza  a diferença de modalidade de mediação do mistério de Jesus Cristo introduzida com o “cristianismo pleno”: cf. J.DUPUIS, Gesù Cristo incontro alle religioni, Op.cit., p. 179.

[53] K.RAHNER, Curso fundamental da fé, Op.cit., p. 400. Rahner reafirma aqui a questão da singularidade da igreja e de sua necessidade: “A questão da Igreja não é somente questão de oportunidade para o homem, mas é também, no sentido mais próprio, questão de fé. A partir da essência do cristianismo deve-se conceber a Igreja de tal maneira que ela provenha da essência do cristianismo enquanto autocomunicação que se manifesta de maneira história e em Jesus Cristo atinge seu vértice  histórico definitivo.”: Ibidem, p. 400-401. Para Rahner, a missão insere-se na dinâmica “encarnatória” da graça. Cf. K.RAHNER, “Cristianesimo anonimo e compito missionario della chiesa”, Art.cit., p. 639-640. Em dados momentos, a centralidade  eclesial ganha para Rahner contornos triunfalísticos:  a visão da igreja como a “vanguarda do exército de Deus” em marcha. Mesmo considerando a presença do pluralismo, destinado a sobreviver por longo tempo,  Rahner sublinha a necessidade do incessante trabalho missionário no sentido de “reunir toda a humanidade na única Igreja de Cristo” (sic!): Id. “Cristianesimo e religioni non cristiane”, Art.cit., p. 569.

[54] H.DE LUBAC, Paradoxo e mistério da igreja, São Paulo: Herder, 1969, p. 133, 135 e 141. Para de Lubac , “por mais profundo que seja seu respeito pelos valores humanos dos não-cristãos  e o seu carinho por estes, o cristão não pode não lhes desejar esta ruptura sem a qual não há renovação,  nem, portanto, realização,  nem plenitude real”: Ibidem, p. 141-142.

[55] H.KUNG, Ser cristão, Rio de Janeiro: Imago, 1976, p. 79-80. Segundo Kung, trata-se de uma “solução fictícia” ou de um “débil consolo”. Para ele, “uma tal inclusão no seio da igreja do interlocutor  rompe o diálogo, antes mesmo que tenha começado”. E complementa: “Não se enfrenta o desafio das religiões com um alargamento ficticiamente ortodoxo de conceitos  cristãos como ´igreja` e ´salvação`. É uma maneira fácil de se lhes fugir e de se deixar surpreender”:  Ibidem, p. 80. Em obra posterior, Kung assinala que a teoria de Rahner  “supõe, em última instância, uma situação de superioridade  que considera de antemão  a própria religião (a cristã) como a verdadeira”: H.KUNG, Teologia  a caminho. Fundamentação  para o diálogo ecumênico,  São Paulo: Paulinas, 1999, p. 270.

[56] C.DUQUOC, Un dio diverso,  2 ed,  Brescia: Queriniana, 1985, p. 133 (o original é de 1977).

[57] C.DUQUOC, L´unique Christ. La symphonie différée. Paris: Cerf, 2002, p. 239. Em semelhante perspectiva  cf. também a posição de C.GEFFRÉ, “Verso una nuova teologia delle religioni”, In: R.GIBELLINI (Ed.), Prospettive  teologiche  per il XXI secolo, Brescia: Queriniana, 2003, p. 358. Para Geffré, Rahner não fez senão “levar às últimas consequências  o que estava inscrito na lógica mesma da teologia do acabamento”.  Em sua visão, o maior limite da teoria de Rahner é ter desconsiderado “a alteridade das outras tradições religiosas em sua diferença irredutível”: Ibidem, p. 358. Ver ainda: M.AEBISCHER-CRETTOL, Vers un oecuménisme interreligieux.  Jalons pour une théologie chrétienne du pluralisme religieux,  Paris: Cerf, 2001, pp. 325-236. A autora faz igualmente  alusão às críticas  de Puthiadam, Maurier e J.A. DiNoia: Ibidem, pp. 326-330.

[58] J.HICK, A metáfora do Deus encarnado, Petrópolis: Vozes, 2000, p. 121 e 198.

[59] P.TILLICH, Le christianisme et les religions, Paris: Aubier,  1968, p. 133.

[60] H.KUNG, Teologia a caminho, Op.cit., p. 284 e 286; E,SCHILLEBEECKX, História humana revelação de Deus, Op.cit., p. 190; R.PANIKKAR, Cristofania, Bologna: EDB, 1994, pp. 16-17.

[61] W.ARIARAJAH, La Biblia y las gentes de otras religiones,  Santander: Sal Terrae, 1998, p. 114 . Para este autor, “a centralidade de Cristo deve ser algo que se experimenta, não um tema da pregação”: Ibidem, p. 95. Os bispos asiáticos , que trabalham  num campo religiosos extremamente  plural, vêm reconhecendo uma prática asiática característica   da missão: “Para os cristãos da Ásia, proclamar  a Cristo significa antes de tudo viver como ele, no meio dos próximos e vizinhos que não têm a mesma fé e não são da mesma confissão nem convicção, e, pela força de sua graça, fazer o que ele fez. Uma proclamação  pelo diálogo e pelos atos – eis o primeiro apelo lançado às Igrejas da Ásia”: FABC, “O que o Espírito diz às Igrejas”, In: Sedoc  33 / nº 281 (2000) 38-50, aqui p. 42.

[62] R.HAIGHT, Jesus símbolo de Deus, São Paulo: Paulinas, 2003, p. 455.

[63] Ibidem, p. 466 e E.SCHILLEBEECKX, História humana revelação de Deus, Op.cit, pp. 164-165.

[64] R.HAIGHT, Jesus símbolo de Deus, Op.cit., p. 474, n. 25. Aqui estamos diante de uma questão fundamental e básica para captar os novos desafios teológicos. Se tomamos como referência a criteriologia inter-religiosa de Hans Kung, podemos aceitar que no horizonte do critério especificamente cristão, esta frase faça sentido, desde que melhor pontualizada. Para os fiéis cristãos e no bojo de sua específica interpretação, Jesus Cristo revela-se como sendo “a Palavra, a Imagem, o Caminho” e o cristianismo a religião verdadeira.  Segundo uma legítima  hermenêutica cristã,  com o evento Jesus Cristo a ação salvífica de Deus encontra sua máxima densidade história, mesmo não esgotando sua amplitude universal. Nesta linha de reflexão, a graça em ação no mundo é “gratia Christi”, embora a graça salvífica universal de Deus, encontra-se também presente  na potência universal do Logos e na ação ilimitada do Espírito. Cf. J.DUPUIS. Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso, Op.cit, pp. 436-442; Id. “La teologia del pluralismo religioso rivisitata”, In: Rassegna di Teologia nº 5 (1999) 667-693,  O problema emerge quando esta perspectiva cristã vem imposta como uma necessidade universal, excluindo a singularidade e a pertinência de outras interpretações  religiosas, bem como outras mediações da presença salvífica de Deus. O caminho dialogal implica em abertura e disponibilidade para aprender e acolher a verdade dos outros, sem deixar de generosamente comunicar a própria verdade. Cf. H.KUNG, Teologia a caminho, Op.cit., pp. 286-291.

[65] Ibidem, p. 477.

[66] Ibidem, p. 479. E este passo, segundo Haight, “exclui a necessidade de vincular  a salvação de Deus apenas a Jesus de Nazaré”: Ibidem, p. 479. Não se pode ignorar que uma tal proposta hermenêutica encontra ainda muitas resistência no campo teológico católico.  A dúvida em geral levantada é: em que medida semelhante tese consegue manter a integralidade da confissão de fé em Jesus Cristo e a unidade do plano de salvação. Para esta problematização cf. COMISSÃO TEOLÓGICA INTERNACIONAL, O cristianismo e as religiões, São Paulo: Loyola, 1997, pp. 29-31 e M.F.MIRANDA, “As religiões na única economia da salvação”, Atualidade Teológica nº 10 (2002) 9-26, aqui p. 19. Para Jacques Dupuis, há uma urgente necessidade de um “salto qualitativo  na compreensão teológica do plano salvífico de salvação”. Assim como Haight, Dupuis aponta para a necessidade de manutenção de um “senso do mistério”, um mistério que envolve igualmente a transcendência de Deus e de seu plano de salvação: cf. J.DUPUIS, “La teologia del pluralismo religioso rivisitata”, In: Art.cit., p. 683 e 692. Em sua reflexão teológica,  Dupuis evita falar da igreja ou mesmo de Jesus como “absolutos”, e a razão  encontra-se no fato de que para ele o absoluto “é um atributo da Realidade última ou Ser infinito, que não deve ser atribuído a nenhuma realidade finita, até  mesmo a existência humana do Filho-de-Deus-feito-homem.”: J.DUPUIS, Rumo a uma teologia cristã do pluralismo religioso, Op.cit., p. 390. 

(Publicado na Revista Perspectiva Teológica, Ano XXXVI, n. 98 - Abril/Junho 2004, pp. 55-74)

Nenhum comentário:

Postar um comentário