terça-feira, 13 de abril de 2010

Peter Berger e a religião

BERGER E A RELIGIÃO

 

Faustino Teixeira

PPCIR/UFJF – ISER/Assessoria

 

Introdução  

 

No âmbito das pesquisas de sociologia da religião realizadas no mundo anglo-saxão, a extensa obra de Peter Berger revela-se de fundamental importância. Trata-se de um autor contemporâneo, mas que pode ser inserido entre os grandes clássicos da sociologia da religião. Nascido em Viena no ano de 1929, Peter Berger emigra para os Estados Unidos ao final da segunda guerra mundial, depois de passar um período de formação na Inglaterra. Ao início, intencionava aceder ao pastorado luterano, projeto que será abandonado depois dos estudos de filosofia e sociologia realizados na New Schooll for Social Research de Nova York. Neste centro de reflexão fará contato com autores que pontuarão decisivamente sua reflexão sociológica, como Alfred Schutz, Carl Mayer, Albert Salomon e Thomas Luckmann, seu colega de estudos.

 

O interesse pela sociologia da religião manifesta-se na temática de sua tese doutoral, defendida em 1954, onde abordou o seguinte tema: “Da seita à igreja: uma interpretação sociológica do Movimento Bahai”. Em sua carreira acadêmica passará por diversos centros de formação, dentre os quais a Universidade de Georgia, a Academia Evangélica de Bad Boll (Alemanha), Hartford Seminary Fundation, New Schooll for Social Research e Brooklyn College. No ano de 1980 obtém uma cátedra no Boston College e em seguida na Boston University, onde permanece atualmente como pesquisador.

 

As importantes reflexões de Berger a propósito da natureza da realidade social, bem como suas incursões no campo da sociologia da religião  foram gestadas entre os anos de 1963 e 1970, quando então ensinava na New Schooll for Social Research e no Brooklyn College (Nova York). São deste período suas importantes obras: A construção social da realidade (1966 – escrito com Thomas Luckmann), O dossel sagrado (1969) e Rumor de Anjos (1969). Retornará posteriormente ao tema em duas outras obras: O imperativo herético (1979) e Uma glória remota (1992).[1]

 

O tema da religião ocupa um lugar de destaque na vasta obra de Peter Berger, mas sua contribuição teórica estende-se para outros setores da teoria sociológica  em geral[2]. Segundo Cecília Mariz, “o grande mérito de sua teoria é oferecer um aparato conceitual capaz de integrar tanto a análise de problemas no nível micro da psicologia  social com os do nível macro das ideologias e mudança cultural em geral”[3].  Trata-se de uma reflexão criativa, marcada por pressupostos teóricos diversificados. Quanto aos fundamentos do conhecimento na vida diária (sociologia do conhecimento), percebe-se o influxo de Alfred Schutz. Com respeito aos dados antropológicos, verifica-se a influência dos primeiros escritos de Karl Marx, bem como as implicações antropológicas  da biologia humana, presentes nas obras de Helmuth Plessner e Arnold Gehlen. Para a elaboração teórica da natureza da realidade social, foram de fundamental importância os aportes de Durkheim, retomados numa perspectiva dialética com o influxo de Marx e a contribuição de Weber. Este complexo quadro teórico foi ainda complementado em âmbito da sócio-psicologia  pela presença da reflexão de George Herbert Mead e da escola simbólico -interacionista  da sociologia americana.[4]    

 

1. O processo dialético fundamental da sociedade

 

A singular elaboração da teoria sociológica de Berger e as pistas fundamentais para a afirmação de sua sociologia  da religião encontram-se delineadas nos livros de sua primeira fase acadêmica, ou seja, A construção social da realidade, O dossel sagrado e Um rumor de anjos. É sobretudo nestes trabalhos que o autor traduz sua concepção do processo dialético fundamental da sociedade. Esta tarefa é vista por ele como típica de uma sociologia do conhecimento[5]. Para Berger, a sociedade é um fenômeno eminentemente dialético, que traduz simultaneamente a dimensão de realidade produzida pelo sujeito, mas que reage continuamente ao seu produtor.

 

Para a elaboração desta reflexão, Berger serve-se de uma “conjunção sutil e original” de Marx, Durkheim e Weber. Os conceitos de auto-produção humana mediante a externalização (ou exteriorização) e da objetivação são tomados do jovem Marx, que proporcionou a aplicação de tais conceitos hegelianos  aos fenômenos coletivos. O influxo de Durkheim se fará sentir na sua abordagem da objetividade  do mundo institucional.  Tal abordagem será, porém, equilibrada com a interação do significado subjetivo da ação. E aqui entra a presença de Weber, mostrando que em toda a objetividade  do mundo institucional há a participação da significatividade humana que a introduziu. Com base neste autor, Berger sublinhará que esta objetividade  é “produzida e construída pelo homem”. Esta peculiar síntese teórica das abordagens dos clássicos da sociologia, favorece a Berger a manutenção da intenção fundamental dos autores analisados, sem cair, porém, em dois possíveis riscos: a distorção idealista do fenômeno social ou a reificação sociológica. [6] Segundo Berger, “o mundo institucional é a atividade humana objetivada, e isso em cada instituição particular. Noutras palavras, apesar da objetividade que marca o mundo social na experiência humana ele não adquire por isso um status ontológico à parte da atividade humana que o introduziu”[7].

 

O processo dialético da sociedade define-se para Berger em três momentos: externalização, objetivação e internalização. A primeira etapa, da externalização, indica o processo de “contínua efusão do ser humano sobre o mundo, quer na atividade física quer na atividade mental dos homens”[8]. Trata-se do momento de expressão do ser humano no mundo, de ruptura de seu isolamento mediante o ato da imaginação e da criação. Esta dinâmica de exteriorização corresponde para Berger a uma necessidade antropológica fundamental. O homo sapiens, diferentemente de outros mamíferos superiores, encontra-se permanentemente diante de um mundo aberto, provocado ao desafio contínuo de “tornar-se homem”, desenvolvendo sua personalidade e assimilando  a cultura.  

 

A segunda etapa expressa o momento de objetivação do mundo humanamente produzido. Nesta etapa, os produtos exteriorizados ganham autonomia com respeito ao seu criador, adquirindo um grau de distinção específico. Os instrumentos, valores, regras, leis e instituições  produzidos ganham agora um caráter de realidade objetiva, que se revelam opacos para o seu produtor e passam a confrontar-se com ele  como um “lá fora” da consciência.  Seguindo as pistas abertas por Durkheim, Berger busca sublinhar neste momento o dado da facticidade externa da sociedade, subjetivamente opaca e coercitiva. As operações da sociedade escapam ao entendimento dos sujeitos, e revelam-se coercitivas na forma mesma como se constituem e se impõem como realidade. Para exemplificar sua reflexão, o autor identifica a objetividade que vem caracterizar os elementos não-materiais da cultura: “O homem inventa uma língua e descobre que a sua fala e o seu pensamento são dominados pela gramática. O homem produz valores e verifica que se sente culpado quando os transgride. O homem forja instituições,  que o enfrentam como estruturas controladoras e intimidatórias do mundo externo”[9]

 

Para Berger, é a percepção da sociedade como realidade objetiva que favorece ao ser humano um mundo para habitar. Trata-se da afirmação de um quadro referencial com plausibilidade[10]  coletiva. Na visão deste autor, “a própria vida do indivíduo só aparecerá como objetivamente real, a ele próprio e aos outros, localizada no interior de um mundo social que tem o caráter de realidade objetiva”[11]. Para que isto ocorra é necessário um terceiro passo, de internalização desta mesma realidade objetiva. Na visão de Berger, a internalização é o momento do processo dialético  onde o mundo social vem reintroduzido na consciência mediante a dinâmica de socialização. Cabe agora ao indivíduo apreender e assumir os diversos elementos do mundo objetivado.[12] Para que esta assunção do mundo objetivado seja realizada com sucesso é necessário que o mesmo seja dotado de sentido para o sujeito. Daí a importância do processo de socialização primária e secundária, que se traduz na “ampla e consistente introdução de um indivíduo no mundo objetivado de uma sociedade ou de um setor dela”[13]. O sucesso desta socialização depende do potencial de simetria que se consegue estabelecer entre o mundo objetivado da sociedade e o mundo subjetivo.

 

Esta tarefa de construção social do mundo não é, porém, um empreendimento isento de dificuldades.  Enquanto processo de ordenação e nomização da experiência ele pressupõe o estabelecimento e manutenção de uma conversação permanente do sujeito com os outros significativos implicados no processo de socialização. A conversação ocupa para Berger um lugar decisivo  na afirmação da plausibilidade  do mundo socialmente construído.[14] É através dela que ocorre a apropriação do mundo objetivo pelo sujeito, bem como a manutenção deste mundo como real para ele.[15] Como forma de manter viva a conservação da realidade subjetiva, esta conversação deve ser contínua e coerente e, nos momentos de crise, explícita e intensa. Segundo Berger, a manutenção da realidade subjetiva depende essencialmente de estruturas específicas de plausibilidade[16],  ou seja, de estruturas que conferem a base social para a conservação da realidade, eliminando  o risco dissolvedor da dúvida. É com base em tal plausibilidade que o conhecimento da vida cotidiana pode manter-se como tal. Para exemplificar este dado, Berger indica: “Enquanto meu conhecimento funciona satisfatoriamente em geral estou disposto a suspender qualquer dúvida a respeito dele”[17].

 

As estruturas de plausibilidade  constituem, assim, base social fundamental para a “suspensão da dúvida”. A aplicação desta tese ao campo religioso faculta perceber a importância essencial da comunidade religiosa  para a manutenção do sentimento de sua plausibilidade.  Recorrendo ao tradicional adágio da teologia católica, extra ecclesiam nulla salus (fora da igreja não há salvação), Berger busca mostrar que o mais difícil não é ter uma experiência de conversão, mas a possibilidade de conservá-la como plausível ao longo do tempo. Quando menciona este axioma, traduz o termo salus não com o seu sentido literal salvação, mas  como “a realização empiricamente bem sucedida da conversão”. Nesse sentido, o que garante a permanência da conversão é a recorrente presença e participação, ou seja conversação, no contexto da comunidade religiosa.[18]

 

O imperativo antropológico  de construção de um mundo humano esbarra, porém, na provisoriedade  das estruturas que regem a dinâmica cultural, “inerentemente precárias e predestinadas a mudar”. Instaura-se uma tensão entre “o imperativo cultural da estabilidade  e o caráter de instabilidade  inerente à cultura”. Como indica Berger, o ser humano depara-se com o imperativo de construir um mundo humano, mas enfrenta a grande dificuldade  de manter este mundo funcionando satisfatoriamente.[19]

 

A manutenção da realidade subjetiva do mundo depende assim do “tênue fio da conversação”, daí ser sua continuidade um dos imperativos mais decisivos da ordem social. A inserção positiva no mundo social implica  o exercício de uma vida ordenada e significativa. A quebra desta ordenação significa  a potencialização da anomia e o risco da perda de sentido. Para fazer frente ao risco da anomia e da ameaça das “situações limite” que podem provocar no sujeito a suspeita da consistência do mundo de sentido socialmente construído, é que a sociedade organiza mecanismos de proteção da ordem social. A manutenção do nomos, ou da ordem significativa, é um dos imperativos essencias de engenharia social.

 

Na visão de Berger, a socialização exerce um papel importante de garantia de um consenso duradouro a propósito do oscilante edifício da ordem social. Mas a seu lado devem atuar outros mecanismos fundamentais de manutenção do nomos, entre os quais destaca o processo de legitimação e  de controle social. Por legitimação entende Berger “o  ‘saber’ socialmente objetivado que serve para explicar e justificar a ordem social”[20]. Trata-se de um processo cognitivo de justificação da ordem institucional, que confere  “dignidade normativa” a seus procedimentos práticos. Berger visualiza diferentes níveis de legitimação, entre os quais a legitimação incipiente  já presente no processo de transmissão de um sistema de objetivações linguísticas,  a legitimação rudimentar das proposições teóricas vigentes nos provérbios e máximas morais, a legitimação das teorias explícitas e a legitimação dos universos simbólicos.  Para Berger, é neste último nível que se afirma de forma mais sólida a integração unificadora dos processos sociais. Quanto aos mecanismos de controle social, Berger sublinha por exemplo o papel importante concedido às práticas terapêuticas, ou seja, as “práticas organizadas destinadas a silenciar dúvidas e prevenir lapsos de convicção”[21]. As diversas “agências terapêuticas” são instrumentos importantes de auxílio para a sociedade no encaminhamento daqueles que vivem uma experiência de “dissonância  cognitiva”. Estas diversas formas de legitimação e controle social destinam-se na prática “a convencer o povo que aquilo que lhe é dito não é só a coisa sensata mas também a única certa e salutar”[22].  

 

Embora os mecanismos específicos de manutenção do mundo e de afirmação de sua plausibilidade  sejam vigorosos, nem sempre eles surtem o efeito esperado. Em sua reflexão, Berger sublinhou  que o processo de transmissão do universo simbólico  de uma geração para outra é complexo e às vezes problemático. E isto em razão das dificuldades  que acompanham a realização da socialização.  Nem todos “habitam” o universo transmitido da mesma maneira. Há peculiaridades e variações no  processo de concepção do universo,  e nem sempre a internalização corresponde ao desejado. Este problema intensifica-se sobretudo quando emergem as dissonâncias  cognitivas, ou seja, quando “versões divergentes do universo simbólico” passam a ser partilhadas pelos “habitantes” de um mesmo ambiente.  Esta disparidade pode ocorrer quando no próprio universo emergem grupos minoritários  de dissidentes  (minorias cognitivas),  mas também quando uma sociedade defronta-se com outra marcada por diverso universo simbólico.  No primeiro caso, a ameaça pode ser contida por medidas de controle social, como a reafirmação da realidade tida como oficial contra os competidores. A questão se complexifica no segundo caso, pois a visibilidade de um outro universo simbólico  traduz na prática a constatação empírica da não inevitabilidade  do universo particular. Neste caso o “enfrentamento” exige um mecanismo conceitual mais elaborado[23].

 

2. Religião e Sociedade

A abordagem sociológica  da religião realizada por Berger segue um horizonte de orientação claramente definido pelo autor. Segundo a proposta de sua teoria sociológica,  a religião vem entendida “como projeção humana, baseada em infra-estruturas específicas da história humana”[24]. Sem negar o valor de outras abordagens possíveis sobre o tema, como a teológica (que vislumbra a religião sub specie aeternitatis), este autor busca se mover no âmbito da teoria sociológica  empírica, para a qual a religião deve ser sempre considerada sub specie temporis.

 

A compreensão fundamental da sociologia  da religião de Berger encontra-se presente no seu livro O dossel sagrado, publicado  originalmente em 1967. Neste livro, o autor busca aplicar sua teoria da construção social da realidade ao tema da religião.  Para Berger, a religião  é um dos sistemas de símbolos fundamentais dos seres humanos. Trata-se de um “edifício de representação simbólica” elaborado pelos seres humanos, e que para eles parece elevar-se sobre a realidade da vida cotidiana, garantindo-lhe  uma nomização peculiar. Entendida como um empreendimento humano de cosmificação sagrada, que transcende e inclui o ser humano, a religião  exerce de fato para os que a ela aderem uma ordenação da realidade, servindo de um potente escudo contra o terror da anomia. Para Berger a religião consiste na “ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo”[25].

 

A esta dimensão nomizadora da religião vêm acrescentadas por Berger outras funções exercidas pela religião na sociedade. Em primeiro lugar, a função de legitimação. Na visão de Berger, a religião  “foi historicamente o instrumento mais amplo e efetivo de legitimação”[26]. A grande eficácia da legitimação religiosa  consiste em fundar na realidade transcendente as precárias construções da realidade humanamente construída.[27] Com base nesta relação instaurada, a religião acaba servindo para manter a realidade do mundo socialmente construído. Trata-se para Berger de um processo de alienação, na medida em que as instituições humanas acabam ganhando com a religião um status ontológico de validade suprema. Prejudica-se, assim,  a compreensão da relação dialética entre o indivíduo e seu mundo, que acaba ficando ocultada e perdida para a consciência.  Em razão desta operação, o indivíduo “ ‘esquece’ que este mundo  foi e continua a ser co-produzido por ele”[28].

 

Em segundo lugar, Berger sublinha a função religiosa de integração das experiências marginais ou limites. A religião exerce um importante papel de integração das experiências anômicas, facultando um significado  para as crises biográficas. Há nela uma capacidade única de “situar os fenômenos humanos em um quadro cósmico de referência”[29]. Diante da situação limitada e de impermanência que marca a condição humana, a religião funciona como um dossel sagrado protetor do nomos, possibilitando  interpretações que satisfazem não apenas  o campo teorético, mas sobretudo aquele da “sustentação interior para enfrentar a crise do sofrimento e da morte”[30]. A teodicéia religiosa ocupa, assim, um lugar fundamental, ao proporcionar a “localização” do sofrimento e da morte.[31]

 

Berger vislumbrou ainda uma outra função da religião, ou seja, de desalienação.  Embora muitas vezes a religião exerça uma influência de justificação  da ordem humana, concedendo-lhe uma solidez fundada em razões meta-históricas, ela pode igualmente, e em nome da mesma transcendência, exercer um papel diverso. Sublinhando  a unilateralidade  de uma certa interpretação marxista, Berger indica a real possibilidade  de uma atuação relativizadora da religião sobre as formações precárias da história humana, uma vez que a mesmas são encaradas sub specie aeternitatis. Em afinidade  com a dimensão cômica, a religião vem animada de uma “qualidade  relativizadora, desmascaradora, desencantadora das pretensões do poder humano”, podendo em situações específicas colocar em questão o status mesmo do mundo empírico.[32]

 

3. Religião  e Modernidade

 

A reflexão sobre a relação da religião com a modernidade[33] vem ocupando a atenção teórica de Peter Berger desde seus primeiros trabalhos. Em seu livro O dossel sagrado (1967) dedicará três capítulos ao tema da secularização. A atenção teórica do autor volta-se, na ocasião, para a “crise de credibilidade” da religião e o seu deslocamento do horizonte da vida cotidiana de setores significativos  da população. Por secularização, o autor entende “o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos”[34]. Em sua visão, a secularização atua em dois níveis: no nível subjetivo da consciência  e no nível da sociedade e da cultura. Por um lado, há o processo de  privatização da religião , ou seja, sua reduçao ao domínio do indivíduo  ou dos pequenos grupos.  Por outro, o processo de pluralismo religioso,  resultado da ruptura do monopólio religioso  e a instauração de uma situação de competição entre definições distintas  da realidade.[35]

 

Enquanto boa parte da história humana os estabelecimentos religiosos  atuaram como monopólios na sociedade, com o controle assegurado do pensamento e da ação, esta situação modifica-se nos tempos modernos com a afirmação da secularização e do pluralismo.  O traço característico desta nova situação é a perda da antiga segurança das estruturas religiosas  que garantiam a submissão de suas populações. As adesões seguem agora um ritmo voluntário, e não mais decorrente de uma imposição de autoridade. Berger mostrou com acuidade como as antigas estruturas de plausibilidade , que garantiam o ancoradouro das visões de mundo em certezas subjetivas, acabam se enfraquecendo na medida em que vai se instaurando a moderna sociedade industrial. 

 

“O indivíduo moderno existe numa pluralidade de mundos migrando de um lado a outro entre estruturas de plausibilidade rivais e muitas vezes  contraditórias, cada uma sendo enfraquecida pelo simples fato de sua coexistência involuntária com outras estruturas de plausibilidade. Além dos ‘outros significantes’ que confirmam a realidade, há sempre e em toda a parte ‘aqueles outros’, incômodos refutadores, descrentes – talvez o incômodo moderno por excelência”[36].   

 

Estas reflexões de Berger sobre os temas da secularização e do pluralismo, por ele considerados “fenômenos intimamente aparentados”, ganharam continuidade em obras posteriores como O imperativo herético (1979). Nesta obra, Berger desenvolve  a complexa questão da modernidade como universalização da heresia. Em sua visão, a consciência moderna vem  acompanhada de uma tendência “potencialmente relativizante”[37]. Com a pluralidade de mundividências e a decorrente multiplicação de opções que se colocam para o sujeito moderno, torna-se extremamente difícil a garantia das certezas subjetivas. A pluralização institucional da modernidade provoca uma instabilidade das estruturas de plausibilidade. No lugar das antigas certezas religiosas, instaura-se a dúvida. O enfraquecimento das estruturas de plausibilidade  provoca a perda de evidência do mundo religioso,  anteriormente garantido pela tradição, e isto repercute no âmbito da consciência subjetiva. O que antes era considerado realidade evidente, só pode ser agora atingido mediante um esforço deliberado. Na modernidade a escolha (heresia) torna-se um imperativo.[38] 

 

Mas sua reflexão atual ganha uma elaboração mais aperfeiçoada ao tratar da relação entre modernidade e religião. Vale destacar sua posição mais complexa e nuançada sobre a teoria da secularização.[39] Para Berger, a idéia tradicional de que a modernização leva necessariamente ao declínio da religião  encontra resistências bem vivas no campo empírico contemporâneo. Ele admite, por um lado, os efeitos secularizantes que acompanharam a modernização, ainda que observados de forma diversificada. Sublinha, porém, a simultaneidade  da presença de vigorosos movimentos de contra-secularização. Aprofundando a questão dos dois níveis de atuação da secularização, o societal e o da consciência individual, destaca o dado de sua desvinculação:

 

“Algumas instituições religiosas perderam poder e influência em muitas sociedades, mas crenças e práticas religiosas antigas ou novas permaneceram na vida das pessoas, às vezes assumindo novas formas institucionais e às vezes levando a grandes explosões de fervor religioso. Inversamente, instituições religiosamente identificadas podem desempenhar um papel social ou político mesmo quando muito poucas pessoas confessam ou praticiam a religião que essas instituições representam”[40]

 

Quando Berger abordou o tema da situação pluralista na sua clássica obra de sociologia da religião,  em 1969, reconheceu com pertinência que uma tal situação engendrou não apenas a “era do ecumenismo”, mas igualmente a “era das redescobertas das heranças confessionais”[41]. O pluralismo  moderno aciona novos mecanismos de conversação, leva a “sistemas abertos de conhecimento” e possibilita uma “consciência  ecumênica”.[42] Mas, ao mesmo tempo, provoca a ênfase de afirmação identitária e de diferenciação. Os desdobramentos teóricos desta questão serão tratados por Berger no seu livro Uma glória remota (1992), onde busca abordar a questão da fé na época do pluralismo.  Uma das questões que busca desenvolver ao longo de sua obra refere-se às diversas reações religiosas ao pluralismo.  Berger reconhece que o pluralismo faculta um certo grau de tolerância, mas acentua igualmente as dissonâncias cognitivas:

 

“O pluralismo cria uma condição de incerteza permanente com respeito ao que se deveria crer e ao modo como se deveria viver; mas a mente humana abomina a incerteza, sobretudo no que diz respeito ao que se conta verdadeiramente na vida. Quando o relativismo alcança uma certa intensidade, o absolutismo volta a exercitar um grande fascínio”[43].

 

Particularizando sua reflexão no domínio das comunidades cristãs, embora sua aplicação caiba a outras comunidades religiosas,  Berger aponta três posicionamentos de reação ao pluralismo moderno. Aborda primeiramente a negociação cognitiva. Não há como negar a presença de uma “contaminação cognitiva” que opera no mundo moderno. Nas sociedades pós-tradicionais  a conversação, o intercâmbio, a convivência de estilos diversos de vida, valores e crenças, constituem dados incontestáveis. A opção pela negociação cognitiva implica  a assunção de uma perspectiva de abertura e diálogo. Trata-se de uma opção desafiadora, mas que pode, segundo Berger, alargar-se de tal forma a conduzir a um difuso relativismo. Experiências teológicas realizadas no campo do diálogo com o mundo moderno, como a teologia liberal protestante, acabaram, segundo Berger, reforçando a dúvida e o laicismo moderno.[44] Para este autor, o desafio maior consiste  em garantir as convicções fundamentais, distanciando-se  seja do risco do relativismo como dos falsos absolutismos.

 

Uma outra reação possível ao pluralismo vem identificada por Berger com a capitulação cognitiva. Trata-se de uma escolha que evita a dolorosa troca de concessões recíprocas. A título de simplificação do trabalho cognitivo  alça-se a bandeira branca da rendição identitária.  O resultado imediato é um alívio cognitivo, mas com consequências bem previsíveis. Acaba-se aceitando com reduzidas reservas o espírito da época. Para Berger, a teologia da morte de Deus, presente no cristianismo americano, significou um estilo específico de capitulação ao laicismo moderno.[45]

 

Uma terceira reação ao pluralismo, muito recorrente no atual momento histórico, é a redução cognitiva. Trata-se de uma perspectiva precisa de desafio ao risco da dúvida, com o intuito de reafirmação ortodoxa. Esta escolha pode tomar duas formas precisas. Pode ocorrer como redução cognitiva defensiva ou ofensiva. No primeiro caso, manifesta-se como opção em favor de um fechamento comunitário. Face ao risco da dissolvência plural, opta-se pela estratégia do gheto. Neste caso, trata-se de preservar a todo custo uma sub-cultura e exorcizar a contaminação cognitiva do pluralismo.  Na visão de seus aderentes, “basta deixar uma pequena fissura e o vento impetuoso da cultura pluralista entra assoviando”.[46] No segundo caso, adota-se a estratégia da cruzada, ou seja, o caminho da reconquista da sociedade em nome da tradição religiosa particular.

 

O fascínio que os diversos fundamentalismos exercem sobre as pessoas hoje em dia encontra certa explicação no clima de incerteza e insegurança relacionados  com a dinâmica do pluralismo moderno. O fundamentalismo é a expressão de uma “tradição sitiada” e o clamor pela afirmação de um absoluto ameaçado. Há na base dos fundamentalismos uma “forte paixão religiosa”  e uma reação viva e substantiva contra as forças secularizantes. Berger tem razão quando sustenta que “na cena religiosa  internacional, são os movimentos conservadores, ortodoxos ou tradicionalistas que estão crescendo em quase toda parte. Esses movimentos são justamente aqueles que rejeitaram o aggiornamento à modernidade tal como é definida pelos intelectuais  progressistas”[47].

 

4. Os rumores da transcendência

 

Retomando atualmente a sua antiga proposta de “relativizar os relativizadores”, Peter Berger contesta os pensadores mais radicais do iluminismo  e seus descendentes intelectuais.  Para estes grupos de analistas, a modernidade levaria inexoravelmente ao declínio da religião. O que se percebe, entretanto, é uma vigorosa presença da religião no mundo contemporâneo e, como afirma Berger, “não há razão para pensar que o mundo do século XXI será menos religioso do que o mundo atual”[48].

 

Ao analisar este cenário religioso,  Berger visualiza a presença de duas grandes forças florescentes: a islâmica e a evangélica. Dos diversos movimentos religiosos em curso, estes dois apresentam-se como os mais dinâmicos , embora distintos quanto ao conteúdo religioso e à presença no mundo. Apresentam em comum não apenas uma “inspiração inequivocadamente religiosa”, mas a proposta de reelaboração da identidade e a promessa segura ao apelo generalizado por segurança e certeza cognitivo-existencial.  Embora o termo fundamentalismo não possa ser aplicado pertinentemente a tais movimentos, eles apresentam características que se aproximam do fenômeno, como a “forte paixão religiosa,  um desafio ao que foi tido como o Zeitgeist, e uma volta às fontes tradicionais de autoridade religiosa”[49].

 

A vigorosa presença da religião no mundo contemporâneo não exclui a existência de bolsões secularizadores que, segundo Berger, afirmam-se na Europa Ocidental e na cultura de elite globalizada.  A tradicional teoria da secularização encontra guarita nos índices europeus de crenças expressadas e de comportamento eclesial. Esta teoria vigora também no mundo da academia, afirmando-se como uma “subcultura internacional”. Trata-se de uma visão partilhada por certa elite intelectual,  composta não apenas por sociólogos  e antropólogos da religião, mas por outros atores sociais influentes e responsáveis pela definição “oficial” da realidade[50].

 

Os dados empíricos confirmam, porém, a tradicional tese de Durkheim, que indica a presença de algo eterno na religião e o equívoco presente entre aqueles que a consideram uma realidade meramente ilusória. Mesmo num período de forte afirmação secularizadora, no ano de 1969, Berger já vislumbrava a presença de sinais de transcendência na sociedade moderna. Os sinais tornaram-se hoje rumores que desafiam o olhar de qualquer analista que queira de fato perceber com riqueza a realidade.

 

“O impulso religioso, a busca de um sentido que transcenda o espaço limitado da existência empírica  neste mundo, tem sido uma característica  perene da humanidade (isto é uma afirmação antropológica, e não teológica – um filósofo agnóstico ou mesmo ateu  pode muito bem concordar com ela). Seria necessário algo como uma mutação de espécie para suprimir para sempre esse impulso”.[51]

 

Conclusão

 

A reflexão sociológica de Peter Berger sobre a religião é extremamente rica, complexa e abrangente. Este autor trabalha com recursos teóricos de diversas procedências: sociologia, antropologia, filosofia, teologia, psicologia, biologia  etc. Qualquer tentativa de síntese vem marcada por limites e imprecisões. O que se tentou apresentar aqui foi apenas um breve esboço de alguns dos traços importantes de sua abordagem sociológica  da religião. Há que reconhecer que o pensamento deste autor é objeto de diversificados questionamentos, enquanto teórico da sociologia [52],   sendo que as críticas mais contundentes referem-se à sua visão política conservadora. A pertinência das críticas não pode, porém, apagar o valor de suas reflexões, que permanecem válidas e atuais, ainda que controvertidas. O horizonte do debate, da discussão e da crítica permanece aberto. Mas não há como negar a importância de sua contribuição para a reflexão sobre o tema da religião no mundo contemporâneo.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

A)   Obras de Berger

 

BERGER, Peter L. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. Petrópolis: Vozes, 1973.

 

BERGER, Peter L. & LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1973.

 

BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulinas, 1985.

 

____. Rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

 

____. Le piramidi del sacrificio: etica politica e trasformazione sociale. Torino: Einaldi, 1981.

 

____.  & BERGER, Brigitte. Sociologia: la dimensione  sociale della vita quotidiana. Bologna: Il Mulino, 1995.

 

BERGER, Peter. L’imperativo eretico: possibilità  contemporanee di affermazione religiosa. Torino: Editrice Elle Di Ci, 1987.

 

____. Una gloria remota: avere fede nell’epoca del pluralismo. Bologna: Il Mulino, 1994.

 

____. Homo ridens: la dimensione cosmica dell’esperienza umana. Bologna: Il Mulino, 1999.

 

____. A dessecularização do mundo: uma visão global. Religião e Sociedade, v. 21, n. 1, p. 9-23, 2001.

 

2) Sobre Berger

 

GRASSI, Piergiorgio. Secolarizzazione e teologia: la questione religiosa in Peter L. Berger. Urbino: Quattro Venti, 1992.

 

MARIZ, Cecília Loreto. Peter Berger: uma visão plausível da religião. In: ROLIM, Francisco Cartaxo (Org.) A religião numa sociedade em tranformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 91-111.

 

____. Secularização e dessecularização: comentários de um texto de Peter Berger. Religião e Sociedade, v. 21, n. 1, p. 25-39, 2001.

 

MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna. São Paulo: Paulinas, 1995, p. 287-295.

 

NICOLÒ, Giancarlo. Introduzione. In: BERGER, Peter L. L’imperativo eretico. Torino: Editrice Elle Di Ci, 1987, p. 5-35.

 

(Publicado no livro: Faustino TEIXEIRA (Org). Sociologia da religião: enfoques teóricos. Petrópolis: Vozes, 2003, pp.218-246)



[1] Tomaremos como base da reflexão as traduções da obra de Berger para o português ou o italiano: Peter L. BERGER & Thomas LUCKMANN. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1973, Peter L. BERGER. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulinas, 1985; Peter L. BERGER. Rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1997, Peter L. BERGER. L´imperativo eretico: possibilità contemporanee di affermazione religiosa. Torino: Elle Di  Ci, 1987; Peter L. BERGER. Una gloria remota: avere fede nell´epoca del pluralismo. Bologna: Il Mulino, 1994.

[2] Dentre outras obras podem ser aqui mencionadas: Peter L. BERGER. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. Petrópolis: Vozes, 1973; Peter L. BERGER & Brigitte BERGER. Sociologia: la dimensione sociale della vita quotidiana. Bologna: Il Mulino, 1995; Peter L. BERGER. Le piramidi del sacrificio: etica politica e trasformazione sociale. Torino: Einaldi, 1981; Peter L. BERGER. Homo ridens: la dimensione comica dell´esperienza umana. Bologna: Il Mulino, 1999.

[3] Cecília  Loreto MARIZ. Peter Berger: uma visão plausível da religião. In: Francisco Cartaxo ROLIM (Org.). A religião numa sociedade em transformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 91.

[4] Peter L. BERGER. A construção social da realidade. Op.cit., p. 31-32.

[5] Para Berger, a sociologia do conhecimento tem por objeto não somente a “multiplicidade empírica do ‘conhecimento’ nas sociedades humanas”, mas também os “processos pelos quais qualquer corpo de ‘conhecimento’ chega a ser socialmente estabelecido como ‘realidade’”: Id. A construção social da realidade, p. 13-14 e 30.

[6] Id. O dossel sagrado. Op.cit., p. 16.

[7] Id. A construção social da realidade, p. 87.

[8] Id. O dossel sagrado, p. 16 e tb. 17-22.

[9] Id. O dossel sagrado, p. 22-23.

[10] Trata-se de um conceito fundamental na obra de Berger, apropriado da sociologia do conhecimento. Segundo Berger, “uma das proposições fundamentais da sociologia do conhecimento é que a plausibilidade, no sentido daquilo que as pessoas realmente acham digno de fé, das idéias sobre a realidade depende do suporte social que estas idéias recebem”: Id. Rumor de anjos, p. 65. Para que uma concepção de mundo permaneça aceitável  para o sujeito, é necessário que o mesmo permaneça inserido numa “estrutura de plausibilidade” que reforce, mediante a convesa,  a afirmação deste mundo.

[11] Id. O dossel sagrado, p. 26.

[12] Id. O dossel sagrado, p. 28 e Id. A construção social da realidade, p. 173-174. Para sua reflexão sobre o tema da internalização (ou interiorização) Berger serviu-se, sobretudo, do aporte teórico de George Herbert Mead e da escola simbólico-interacionista da sociologia americana.

[13] Id. A construção social da realidade, p. 175.

[14] No quadro teórico de Berger, os termos “conversa” ou “aparelho de conversa” encontram um lugar de destaque. Em sua visão, é mediante a conversa, tomada “no sentido mais vasto do termo, que construímos e fazemos prosseguir nossa visão sobre o mundo”: Peter L. BERGER. Rumor de anjos, p. 66  Id. A construção social da realidade, 202-204; Id. O dossel sagrado, p. 29-30.

[15] Este “aparelho de conversa” pode também, segundo Berger, modificar e reconstruir a realidade subjetiva. É o que ocorre, por exemplo, na experiência da conversão (alternação), quando o sujeito reorganiza o seu aparato conversacional com outros novos significativos. Cf. Peter L. BERGER. A construção social da realidade, p. 211. Para uma boa aplicação da reflexão de Berger ao tema da conversão cf. Rubem ALVES. Protestantismo e repressão. São Paulo: Ática, 1979, p. 50-81.

[16] Id. A construção social da realidade, p. 205-206; Id. Rumor de anjos, p. 65-66.

[17] Id. A construção social da realidade, p. 65.

[18] Id. A construção social da realidade, p. 209-210. Não há como deixar de lembrar a aqui a influência de Durkheim, para o qual “as crenças só são ativas quando compartilhadas”. Para este clássico da sociologia, não é o simples esforço pessoal que mantém acesa a conservação das crenças, mas o exercício de conversação comunitária: “Para reafirmar sentimentos que, abandonados a si mesmos, arrefeceriam, basta aproximar e colocar em relações mais estreitas e mais ativas aqueles que os experimentam”: Émile DURKHEIM. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Paulinas, p. 503 e 264.

[19] Peter L. BERGER. O dossel sagrado, p. 19.

[20] Id. O dossel sagrado, p. 42.

[21] Id. Rumor de anjos, p. 66. O grande esforço será no sentido de facultar ao indivíduo a percepção do mundo social como “coisa óbvia” e evitar a todo custo o desgarre dos programas socialmente definidos. Para manter “encurralado o caos” serão acionados procedimentos específicos para ajudar os membros da sociedade a “ficar ‘orientados’ para a realidade’ (isto é, a ficar dentro da realidade como é definida ‘oficialmente’) e a ‘voltar à realidade’ (isto é, voltar das esferas marginais da ‘irrealidade’ ao nomos socialmente estabelecido)”: Id. O dossel sagrado, p. 37.

[22] Id. Rumor de anjos, p. 67.

[23] Id. A construção social da realidade, p. 144-147. Como sublinha Berger, “em situações nas quais existe competição entre diferentes instituições definidoras da realidade podem ser toleradas todos os tipos de relações entre os grupos secundários com os competidores, desde que existam, firmemente estabelecidas, relações de grupos primários em cujo interior uma determinada realidade é progressivamente reafirmada contra os competidores”: Id. A construção social da realidade, p. 202. Esta situação tende, porém, a se complexificar no momento de afirmação de uma sociedade plural, como veremos adiante.

[24] Id. O dossel sagrado, p. 186.

[25] Id. O dossel sagrado, p. 41.

[26] Id. O dossel sagrado, p. 45.

[27] Na visão de Berger, “a legitimação religiosa pretende relacionar a realidade humanamente definida com a realidade última, universal e sagrada. As construções da atividade humana, intrinsecamene precárias e contraditórias, recebem, assim, a aparência de definitiva segurança e permanência.”: Id. O dossel sagrado, p. 48-49.

[28] Id. O dossel sagrado, p. 97 e também pp. 46 e 99.

[29] Id. O dossel sagrado, p. 48.

[30] Id. Rumor de anjos, p. 54.

[31] Como indica Berger, “a morte estabelece também a mais aterrorizadora ameaça às realidades asseguradas da vida cotidiana. A integração da morte na realidade dominante da existência social tem portanto a maior importância para qualquer ordem institucional”: Id. A construção social da realidade, p. 138. Como bem observado por este autor, o que a teodicéia faculta não é em si a felicidade, mas significado. Indica que “nas situações de intenso sofrimento, a necessidade de significado é tão forte quanto a necessidade de felicidade”. Cf. Id. O dossel sagrado, p. 70. Em semelhante linha de reflexão, o antropólogo Clifford Geertz buscou mostrar que o significado da religião não é tanto o de evitar o sofrimento, mas fazer com que o mesmo seja algo tolerável e suportável. Cf. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989, p. 119. Ver ainda: Carmen Cinira MACEDO. Imagem do eterno: religiões no Brasil. 2 ed. São Paulo: Moderna, 1989, p. 25-26.

[32] Peter L. BERGER. Rumor de anjos, p. 214. Ver também: Id. O dossel sagrado, p. 108-109. Id. Homo ridens: la dimensione comica dell’esperienza umana. Bologna: Il Mulino, 1999, p. 301.

[33]O sentido de modernidade aqui trabalhado encontra analogia com sua aplicação filosófica, que se traduz como modernidade pós-renascentista. Um dos traços substantivos  desta modernidade refere-se à “iniciativa teórica, até agora inédita na história humana, que propugna a imanentização dos termos da relação de transcendência, com a abolição da sua dimensão metafísica e a emergência do existente humano como fonte de movimento de autotranscendência desdobrando-se na esfera da imanência: nas instituições do universo político,  na construção do mundo técnico, na concepção autônoma do agir ético, na fundamentação teórica, enfim, da visão de mundo”: Henrique Cláudio de LIMA VAZ. Raízes da modernidade. São Paulo: Loyola, 2002, p. 16.

[34] Id. O dossel sagrado, p. 119.

[35] Id. O dossel sagrado, p. 139.

[36] Id. Rumor de anjos, p. 78-79. Sintetizando a posição de Berger sobre a situação de crise de plausibilidade da religião, Cecília Loreto Mariz afirmou: “A religião no mundo plural abandona sua ambição de unir toda uma sociedade ou de ditar a ética da vida pública. Segrega-se, então na vida privada. Berger descreve a situação atual como aquela onde a plausibilidade da religião na vida pública desmorona e na vida privada é constantemene ameaçada pelas religiões concorrentes”: Cecília  Loreto MARIZ. Peter Berger: uma visão plausível da religião. In: Francisco Cartaxo ROLIM (Org.). A religião numa sociedade em transformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 103.

[37] Peter L. BERGER. L’imperativo eretico, p. 48. Comentando esta questão, Stefano Martelli sublinha que o processo de pluralização de escolhas que acompanha a modernidade “implica a relativização das pretensões de plausibilidade propostas por cada uma das instituições. Isso tem consequências particularmente graves para agências educativas, que são perturbadas pelos conflitos entre concepções pedagógicas diferentes, mas sobretudo para a Religião, cuja mensagem se caracteriza  pela pretensão de verdade absoluta”: A religião na sociedade pós-moderna. São Paulo: Paulinas, 1995, p. 293. 

[38] Peter L. BERGER. L’imperativo eretico. Torino: Editrice Elle Di Ci, 1987, p. 60-64. Segundo Berger, “a situação pluralista não só dá ao indivíduo uma oportunidade de escolha, mas o força a escolher. Justamente por isto, torna muito difícil a chegada à certeza religiosa. É instrutivo relembrar que o sentido literal da palavra haeresis é ‘escolha’. Num sentido muito real, toda comunidade religiosa numa situação pluralista se torna uma ‘heresia’, com toda a sutileza social e psicológica que o termo sugere”: Id. Rumor de anjos, p. 80.

[39] Berger admite em reflexão recente que em período anterior acabou contribuindo para a afirmação de uma literatura em sintonia com a teoria da secularização. Sua visão atual vai em outra direção. Sem negar a presença de efeitos secularizantes que continuam em ação, argumenta que a suposição de que se vive atualmente num mundo secularizado é equivocada. Como ele mesmo indica, o mundo de hoje, consideradas algumas exceções, “é tão ferozmente religioso quanto antes, e até mais em certos lugares”: Cf. A dessecularização do mundo: uma visão global. Art.cit., p. 10. Segundo Cecília Loreto Mariz, este mea culpa de Berger deve ser relativizado, pois, de fato, ele nunca deixou de perceber a presença de sinais de transcendência na sociedade moderna. Só que agora tende a acentuar a presença mais destacada de uma busca de redenção e de transcendência, que ocorre muitas vezes em reação aos limites da secularização. Cf. Secularização e dessecularização: comentários a um texto de Peter Berger. In: Religião e Sociedade, v. 21, n. 1, p. 26, 2001. Ver ainda: Piergiorgio GRASSI. Secolarizzazione e teologia: la questione religiosa in Peter Berger. Urbino: QuattroVenti, 1992, p. 17-18.

[40] Peter L. BERGER. A dessecularização do mundo: uma visão global. In: Religião e Sociedade, v. 21, n. 1, p. 10, 2001.

[41] Id. O dossel sagrado, p. 159.

[42] O ecumenismo vem  entendido por Berger “no sentido de uma colaboração amigável cada vez mais estreita entre os diferentes grupos envolvidos no mercado religioso”. Mas para ele, trata-se de uma necessidade de adequação à situação pluralista, de  racionalização da competição na situação pluralista. Cf. O dossel sagrado, p. 153.

[43] Id. Una gloria remota: avere fede nell’epoca del pluralismo. Bologna: Il Mulino, 1994, p. 48.

[44] Id. Una gloria remota, p. 45. Ver também: Id. Rumor de anjos, p. 32 e 40. No caso da teologia liberal, a reação crítica  veio contundente na reflexão de Karl Bart (teologia dialética), para o qual uma infinita diferença qualitativa separava a eternidade do tempo. Com Barth instaura-se na teologia protestante uma “total negação da continuidade afirmada pelo mundo liberal entre o  humano e o divino”: Bruno FORTE. In ascolto dell’altro: filosofia e rivelazione. Brescia: Morcelliana, 1995, p. 44.

[45] Id. Una gloria remota, p. 46.

[46] Id. Una gloria remota, p. 46-47.

[47] Id. A dessecularização do mundo: uma visão global, Art. cit., p. 13. Berger sublinha o impulso conservador que vem  atuando em várias tradições religiosas: no catolicismo, no protestantismo, na tradição ortodoxa, no judaísmo, no islamismo, hinduísmo e budismo. Ibidem, p. 13. A socióloga francesa, Danièle Hervieu-Leger, mencionou em trabalho recente o crescimento de uma modalidade específica da figura do convertido no cenário religioso contemporâneo. Trata-se do reafiliado, ou seja, do religioso que redescobre uma identidade religiosa até então mantida como formal, ou vivida  minimamente. Um fenômeno que se relaciona com a busca existencial de novas condições comunitárias, que possam expressar uma experiência pessoal e fortemente emocional, de entrada num “regime forte de intensidade religiosa”: Le pèlerin et le converti: la religion en mouvement. Paris: Flammarion, 1999, p. 124-125.

[48] Peter L. BERGER. A dessecularização do mundo: uma visão global. Art.cit., p. 18.

[49] Ibidem, p. 13.

[50] Ibidem, p. 16-17.

[51] Ibidem, p. 19.

[52] Cecília Loreto MARIZ. Peter Berger: uma visão plausível da religião. In: Op.cit., p. 104-107.

Um comentário:

  1. Peter Berger era agnóstico. Após ter escrito O Dossel Sagrado converteu-se ao catolicismo. Segundo, o próprio, esta conversão foi a consequência natural e racional resultante dos aspectos revelacionais implícitos na investigação operada na obra.
    Maria de Carvalho

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